Um osso de dedo descoberto no deserto sugere que humanos modernos tinham penetrado profundamente na Arábia há 85 mil anos, disse um estudo divulgado nesta segunda-feira (9) que antecipa o êxodo da África em milênios.
A pesquisa, publicada na revista científica Nature Ecology & Evolution, desafiou o consenso de longa data de que os humanos começaram a se mover em massa do seu local de nascimento, na África, há apenas 60 mil anos, com algumas migrações pequenas e malsucedidas antes.
Descobertas arqueológicas recentes começaram a questionar essa ideia, apontando evidências de que o homo sapiens se espalhou para além da África há 120 mil anos ou mais. No entanto, muitas dessas descobertas - incluindo da China e da Austrália - mostram dúvidas sobre sua autenticidade e datação, disseram os autores do estudo de segunda-feira.
O novo osso de dedo fossilizado, por outro lado, pertenceu indiscutivelmente a um humano e pode ser datado diretamente usando tecnologia radiométrica, disse a equipe.
Sua antiguidade serviu como uma evidência rara de que "nossa espécie estava se espalhando para além da África muito antes do que se pensava anteriormente", disse o coautor do estudo Huw Groucutt, da Universidade de Oxford.
Acredita-se que o osso, de apenas 3,2 centímetros de comprimento, seja o osso do meio de um dedo médio, provavelmente de um adulto. Foi descoberto no deserto de Nefude da Arábia Saudita em 2016 e analisado ao longo de dois anos.
Groucutt e uma equipe usaram uma forma de radiometria chamada datação por séries de urânio para determinar a idade do osso medindo pequenos traços de elementos radioativos.
Os testes revelaram que tinha pelo menos 85 mil anos - possivelmente 90 mil - tornando-se o fóssil "mais antigo de homo sapiens datado diretamente" já encontrado fora da África e do Levante, disse a equipe.
Caçador-coletor com ferramentas
Este é o primeiro fóssil de um hominini - o grupo de humanos e nossos ancestrais diretos - descoberto no que é hoje a Arábia Saudita.
Outros achados arqueológicos, que seus descobridores afirmam serem ainda mais antigos, podem muito bem ser autênticos, mas não foram diretamente datados, disse a equipe de pesquisa. A maioria deles teve sua idade calculada a partir das camadas de areia ou rocha em que foram encontrados, ou de outros itens nas proximidades.
Além de mudar a data do êxodo humano da África, o estudo também pode alterar sua rota.
— O que estamos argumentando aqui é que houve múltiplas dispersões para fora da África, então o processo do movimento e da colonização da Eurásia foi muito mais complicado do que os nossos livros nos dizem — disse o coautor do estudo Michael Petraglia, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, na Alemanha.
De acordo com uma teoria dominante, os humanos deixaram a África em uma única onda, movendo-se ao longo da costa da África através do sul da Arábia e da Índia até a Austrália. O Levante é aproximadamente a área do leste do Mediterrâneo hoje coberta por Israel, Líbano, parte da Síria e Jordânia ocidental.
O dedo mostra "que os humanos modernos estavam se movendo pelo interior, o coração terrestre, da Eurásia - não ao longo do litoral", disse Petraglia.
O osso foi descoberto em uma área conhecida como Al Wusta, que 90 mil anos atrás teria parecido muito diferente do deserto que é hoje - com rios e lagos abundantes. A equipe encontrou fósseis de vários animais, incluindo hipopótamos, além de avançadas ferramentas de pedra.
Tudo isso aponta que o dono do dedo foi membro de um grupo semi-nômade de caçadores-coletores que se movia atrás de água e animais.