Na noite desta quinta-feira (6), o mítico Steve Wozniak, engenheiro que desenvolveu, peça por peça, o primeiro computador pessoal bem-sucedido no mercado, falou para uma plateia de cerca de 2 mil pessoas em evento na Capital, que abriu o curso de Pós-Graduação em Gestão, Empreendedorismo e Marketing. Bem-humorado e falante, distribuiu autógrafos e honrou a fama de ser um dos gênios mais amigáveis do Vale do Silício.
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Wozniak é o "Steve" menos conhecido da história da Apple, mas não menos importante. Ao lado de Steve Jobs, ele tinha, nos anos 1970, o conhecimento técnico necessário para criar a primeira linha de produtos da empresa. Jobs tinha a ambição.
– Jobs sabia se comunicar, falar para as pessoas por que você deveria usar nossos computadores. Ele tentou criar computadores e não conseguiu. Ele não tinha o conhecimento técnico – diz Wozniak.
Apesar da frase parecer desmerecedora, Wozniak conta a verdade. Foi ele que, sozinho, desenvolveu os primeiros protótipos de um computador. Na época, apresentou o projeto para a HP, empresa onde trabalhava, que acabou recusando. A ideia do Apple I e Apple II, os primeiros computadores da marca, surgiu nos encontros com outros entusiastas da computação da época que formavam o Homebrew Computer Club.
Fãs do engenheiro lotaram o Salão de Eventos da PUCRS, onde ele contou sobre seus primeiros passos para desenvolver o Apple II, o primeiro computador que foi produzido em massa e que chegou às lojas para consumidores comuns. E era exatamente esse o objetivo: criar um aparelho que qualquer pessoa poderia ter e usar. Ele não tinha vontade alguma de ganhar dinheiro, diz. Enquanto estava na empresa, queria apenas desenvolver novos produtos e pensar em novas soluções, o business não era do seu interesse. Wozniak afirma que sempre quis levar uma vida normal, ser uma personalidade acessível ao público.
– Nunca quis ser rico, queria criar. Eu só queria ir para o laboratório da Apple e inventar hardware novo – diz.
O americano sempre foi conhecido como o fundador tímido e boa-praça da Apple – enquanto Jobs era o mais excêntrico, ambicioso e cruel, como o próprio Wozniak o chamou. O engenheiro nunca abdicou de sua postura idealista: com o dinheiro que havia ganhado da Apple, na década de 1990, foi ser professor de escola pública.
Gadgets favoritos: do Android ao Echo, da Amazon
Parece surpreendente, mas Wozniak, que saiu definitivamente da Apple em 1985, não se limita apenas a comprar e usar produtos da empresa que ajudou a fundar.
– Eu amo gadgets, eu compro celulares diferentes, inclusive (com sistema operacional) Android. Eu compro o que as pessoas no mundo têm, para saber o que elas estão pensando e sentindo ao usar. Eu gosto de comparar, sentir. Quando você usa um produto, consegue saber o que é bom e o que é ruim – diz.
A Apple é conhecida por ter fãs fieis desde os anos 1980 – a cada lançamento do iPhone, milhares pessoas fazem filas nas frentes das lojas para comprá-lo. E Wozniak, ele próprio, muitas vezes já enfrentou fila para comprar o iPhone, como qualquer um. Mesmo assim, não compreende os fanáticos pela marca:
– Não os critico, mas os evito – disse para meia dúzia de pessoas que ficavam a sua volta, durante um coquetel após sua palestra.
Wozniak também falou sobre seus novo xodós, o Chevrolet Bolt, um carro elétrico, e a Echo, da Amazon, a assistente virtual com microfones embutidos que obedece a ordens.
– Estou na cama, com a minha mulher, e falo: Alexa (nome pelo o qual o aparelho atende), toque música para a gente – conta.
Wozniak afirma que um dos motivos que ama o dispositivo é o fato de não precisar segurar um aparelho para ter de executar certas funções.
– É por isso que eu gosto do Apple Watch. Eu não achava que seria grande coisa, mas eu me acostumei – disse, mostrando o seu no pulso.
Três Steve Jobs diferentes
Wozniak não poderia deixar de falar de Steve Jobs.
– Conheci três Jobs (diferentes) – disse ele, referindo-se ao cofundador da Apple antes, durante e depois da criação da empresa.
O primeiro, conta, era o Jobs com quem ele se divertia. Gostavam de pregar pegadinhas nas pessoas, dirigir juntos, ouvir música. O segundo era o Jobs cruel, da criação da Apple. E o terceiro, bem, esse ele não explicou: esqueceu-se do que estava falando e começou a abordar outros assuntos.
– Eu e o Steve sempre fomos amigos. Éramos diferentes, tínhamos personalidades diferentes, mas nunca tivemos uma discussão – conta.
O legado nas mãos de Tim Cook
Perguntado sobre o atual CEO da Apple, Tim Cook, Wozniak o elogiou:
– Eu aprovo muito o trabalho dele – defendeu.
O engenheiro lembra que quando Jobs morreu havia muita especulação sobre o futuro da Apple. Wozniak, no entanto, diz que a empresa tinha uma cultura consolidada não poderia ser desmanchada da noite para o dia.
– Tim Cook defende os direitos dos seus consumidores e dos seus funcionários. A Apple é a primeira empresa de tecnologia a igualar os salários de mulheres e homens – afirma.
Facebook e Google
Wozniak pareceu um tanto incomodado com o modelo de negócios de grandes gigantes da tecnologia de hoje, como o Facebook e o Google:
– Olha como eles ganham dinheiro: você dá a sua informação e eles transformam isso em lucro com publicidade. Você não ser dono dos próprios dados é algo que me incomoda muito. Não sei se conseguirei mudar isso, mas vou continuar criticando. Apple ganha dinheiro com produtos e é a empresa que melhor vai proteger a sua privacidade – diz.
A Apple não está virando a Microsoft, garante
Durante o evento, ele aproveitou para esclarecer uma declaração que repercutiu na imprensa internacional: de que a Apple estaria se tornando a Microsoft.
Wozniak explicou o contexto, disse que se a empresa realmente estivesse investindo no ramo dos carros autônomos, que deveria então desenvolver não só o software para os veículos, mas todo o automóvel.
– O rumor era de que a Apple faria apenas o software e isso é o que a Microsoft sempre fez, é o jeito deles, de ceder a licença apenas do software. Nós não, nós criamos o hardware e o software para que a experiência seja satisfatória. Eu nunca gostei do Windows – diz.
Educação e empreendedorismo
Quando era jovem, Wozniak trabalhou em grandes empresas, como a HP. Perguntado por um menino da plateia se ele indicava trabalhar para uma grande empresa ou começar a carreira empreendendo, respondeu:
– Consiga um trabalho para pagar o seu aluguel e no tempo livre trabalhar nos projetos em que você acredita. E não faça o que todo mundo faz, que é sair, ver televisão. Eu era muito nerd para ter uma namorada, para sair e isso me ajudou: fiquei em casa projetando – lembra.
O americano criticou a forma como funciona o sistema tradicional de ensino, brincou que quase nunca precisou usar as fórmulas de álgebra que aprendeu.
– Por que uma criança não pode seguir aprendendo química até chegar a um nível universitário no colégio se ela puder? Porque ela tem que aprender como todos os outros? Porque tem um professor para 30 alunos – exemplificou.
Wozniak, que voltou para a universidade depois deixar a Apple para terminar a faculdade de Ciências da Computação e Engenharia Elétrica, diz que não foi lá onde aprendeu a desenvolver computadores, mas mesmo assim, considera a educação superior importante: foi onde aprendeu a pesquisar, estudar e organizar os pensamentos.