Orkut Buyukkokten criou o site que iniciou boa parte dos brasileiros no mundo das redes sociais: o Orkut. O engenheiro turco deixou o Google em 2014, ano em que a gigante anunciou que encerraria as atividades da rede social. No mesmo ano, ele criou o que chama de "a continuação da jornada" do finado Orkut, o aplicativo Hello, baseado na criação de comunidades e no compartilhamento de conteúdo relacionado aos interesses dos usuários.
O fim do Orkut marcou o término de uma era para os brasileiros e para os indianos – os dois povos que mais estavam presentes no site. Na Califórnia, no Vale do Silício, a notícia quase não repercutiu na época. Buyukkokten, quase três anos depois de ver sua criação mais popular ter acabado, fala sobre as redes sociais e mostra ter uma postura ideológica e romântica sobre a finalidade delas: fazer as pessoas encontrarem novos amigos e serem elas mesmas.
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Com o Hello, Buyukkokten quer dar continuidade à noção de juntar estranhos por afinidades e critica a lógica dos vínculos criados pelas redes sociais hoje.
Você já se manifestou dizendo que hoje as pessoas não são verdadeiras nas redes sociais.
As pessoas não estão se conectando de verdade, não estão fazendo novas amizades. Redes sociais viraram apenas atualização de status, uma amostra dos melhores momentos e uma forma de se comunicar com quem você já conhece. Nós queremos mudar isso com o Hello. Se você observar como as pessoas se conectam na vida real, elas se conectam através das suas paixões. O Hello torna fácil encontrar novas pessoas e explorar conteúdos sobre as suas paixões.
E por que houve essa mudança de comportamento? Foi a maneira como os sites foram construídos, que permitem maior publicização da vida, ou uma mudança na cultura das redes sociais?
Eu acho que a nova geração tem medo de deixar um rastro autêntico na internet. As pessoas não se sentem confortáveis em mostrar quem são de verdade e suas personalidades autênticas. O que as pessoas compartilham é o que elas acham que os outros querem ver e não quem elas realmente são. São aqueles momentos que não são verdade. Para realmente nos conectarmos, temos de ser autênticos e verdadeiros. É assim que você cria intimidade com outras pessoas. Infelizmente, está mais difícil se conectar com os outros, isso nos torna mais solitários. As redes sociais estão contribuindo para a depressão e ansiedade porque estamos escondidos atrás dos nossos dispositivos e não falamos com quem está ao nosso lado.
E como mudar isso?
Em cada geração esse comportamento muda e as tendências de uso mudam. Nós todos temos celulares e câmeras e esses dispositivos permitem que façamos transmissões, por isso assistir a imagens e vídeos se tornou grande parte da nossa vida. Então, a infraestrutura dos dispositivos muda o comportamento dos usuários.
No Orkut, as comunidades eram para reunir pessoas com afinidades, mas também havia muita coisa com o intuito de gerar graça. Você lembra disso?
Eu acho que é ótimo. Entrar nessas comunidades era uma maneira de editar os perfis delas. Por exemplo, umas das comunidades mais populares eram "Eu odeio segunda-feira" e "Eu amo final de semana". Entrar para uma comunidade é uma maneira de se expressar.
Há espaço para diferentes redes sociais? Ou algumas sempre virão para substituir as outras?
Eu olho para o Snapchat e para o WhatsApp e eles são baseados na comunicação entre duas pessoas e em mensagens. O Facebook é para entrar em contato com seus amigos e mostrar atualizações da sua vida. Para ser bem-sucedido você tem que ter um objetivo central que forneça um benefício para a sua base de usuários. Com o Hello estamos fazendo com que as pessoas se conectem por causa de seus interesses, e isso ninguém está fazendo. Eu acredito que 99% da humanidade precise se conectar mais, e é esse meu pensamento para manter os negócios. Estamos tão solitários que vamos atrás de serviços como LinkedIn ou Tinder para fazer novos amigos, porque os demais não dão essa oportunidade. Com o Hello estamos ajudando as pessoas a fazerem novos amigos e a descobrir novas paixões. É baseado em amor, não em likes. Reputação online, hoje, é só sobre quantos amigos e quantos likes nós temos.
O que aconteceu com o Orkut? Você tinha planos para mudá-lo ou continuar reformulando o site?
Orkut.com foi lançado no início das redes sociais e era um espaço em que as pessoas eram apenas elas mesmas. As pessoas criavam milhares de comunidades e muitas coisas aconteciam, elas faziam amigos, encontravam um amor e casavam-se por causa do Orkut. Tínhamos quase 300 milhões de usuários pelo mundo. Mas ao longo dos anos as coisas mudaram, o comportamento mudou, o jeito que as pessoas usam as rede sociais mudou. O que estamos fazendo com o Hello é trazer essa experiência genuína de volta e com experiência para os dispositivos móveis.
Quando você começou a sentir que o Google descontinuaria o projeto?
Eu saí do Google para começar o Hello e logo depois o Orkut foi encerrado.
Teve alguns sinais? Como o declínio em tráfego?
Eu acho que foi quando o Google começou a ter mais foco no "social" com o Google Plus. Eu acho que foi o primeiro sinal. Isso foi o final daquele capítulo. O Google sempre apoiou muito o Orkut.com e apoiaram muito o Hello. Eu sou grato e agradeço a eles por terem acreditado em mim. Meu propósito na vida é conectar as pessoas através da tecnologia.
Você acredita que nessas redes sociais as pessoas não conseguem se conectar mais com gente que não conhece? Por quê?
Quando você vai no Facebook, você vê muitos anúncios e conteúdo patrocinado. As pessoas pararam de ser elas mesmas nas redes sociais.
Como fazer para que esses sites de redes sociais ganhem dinheiro sem incomodar os usuários com tanto conteúdo patrocinado?
Eu amo como o Google solucionou esse problema no início. Quando você faz uma busca, você recebe os resultados e também os anúncios. E aqueles anúncios fazem sentido para o que a pessoa quer, o que torna a experiência melhor. Eu acredito que redes sociais podem ter anúncios desde que sejam úteis ao usuário e tornem a experiência melhor. Infelizmente, a maioria das nossas experiência com anúncios não é boa porque (os sites) nos expõem a coisas pelas quais não temos interesse só porque as empresas estavam dispostas a pagar por aquilo.
Hoje, um dos assuntos mais debatidos sobre redes sociais é a responsabilidade sobre o conteúdo que é publicado. Isso tem a ver com notícias falsas, principalmente, no Facebook. Como você enxerga isso?
No Hello, a gente acredita que as empresas de mídias sociais devem ter a responsabilidade pelo que acontece nos seus servidores. (O Facebook) tem mais de um bilhão de usuários, é difícil encontrar uma tecnologia para verificar tudo, mas acredito que pode-se usar as comunidades e os usuários para verificarem o que é real.
Você tinha planos para o Orkut continuar evoluindo antes que o site fosse descontinuado?
Na área de "social" (mídias sociais) é muito importante inovar e manter contato com os avanços da tecnologia, tendências de uso das pessoas. Orkut veio em uma era diferente, quando as pessoas estavam usando redes sociais pela primeira vez e nos seus browsers da web para acessar a internet. Nós vemos Hello como uma continuidade dessa jornada. Hello segue os passos do Orkut.com e ele foi criado pensando na nova geração que usa os smartphones. Havia muitas coisas que poderiam ser feitas com Orkut.com, mas fez mais sentido continuar a jornada com o Hello.
Você disse em uma entrevista em 2004 que não tinha a menor ideia do motivo para tantos brasileiros entrarem no Orkut. O The New York Times, há 10 anos, inclusive noticiou que o Brasil havia dominado uma "rede social criada nos EUA". Você consegue explicar melhor esse fenômeno hoje?
Eu amo o Brasil e os brasileiros. Os brasileiros têm atitudes autênticas, eles são muito acolhedores e apaixonados. Esse comportamento transcende para o mundo virtual. Orkut era sobre amor, amizade e a criação de comunidades.
Você é realmente generoso com os brasileiros. Na internet, especialmente no mundo dos games, nós temos uma péssima reputação.
Os brasileiros são verdadeiros! É por isso que eu os amo. São muito genuínos, queria que todos tivessem essa característica.