Nesta semana, o Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab declarou que os planos de internet fixa dos brasileiros sem franquia de dados estão com os dias contados. Em entrevista ao portal Poder360, Kassab afirmou que "está ao lado dos usuários" e que ainda neste ano a cobrança por novos planos, com limite de dados, será regulamentada.
O assunto se arrasta desde março de 2016, quando houve o anúncio por parte de operadores de que os planos seriam limitados por volume de dados a partir de 2017. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), imediatamente depois da polêmica, proibiu as empresas de cortarem a conexão dos usuários com base em franquia. No ano passado, foram sediadas reuniões de um comitê do órgão com a participação de entidades de defesa do consumidor e ligadas a empresas provedoras para discutir a questão. Até o final do ano passado, tudo ainda era visto como um grande impasse. Representantes do governo à época, porém, já se mostravam favoráveis à medida. Procurados, representantes da Anatel não responderam às ligações até a publicação desta matéria.
Rafael Zanatta, advogado e pesquisador em telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), defende que o prazo estabelecido pelo ministro não condiz com o andamento do processo. Uma consulta pública da Anatel sobre o tema foi lançada em novembro do ano passado e estendida até abril de 2017. Até o final da manhã desta sexta-feira, mais de 14 mil pessoas já haviam deixado uma contribuição.
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– Esse prazo nos parece estranho, não é o Gilberto Kassab que determina quando a consulta acaba. O processo está sob controle da Anatel. A consulta pública foi estendida, depois é preciso avaliar uma análise de impacto regulatório a partir das contribuições da consulta. Os setores técnicos da agência precisam formular nova proposta de uma nova resolução tem que passa novamente por uma consulta pública – afirma.
Zanatta avalia que a declaração teve tom político e que seria uma maneira de buscar apoio das grandes empresas do setor:
– Esse grau de influência de um ministro a partir do que uma agência reguladora faz é perigoso. O Idec vai publicar uma nota repudiando a interferência no processo que está sendo realizado, que parece ser democrático e precisa de tempo porque o assunto é muito complexo.
Diferentes entidades já se manifestaram contrárias à mudança, alegando que tal forma de cobrança prejudicaria o desenvolvimento social e econômico do país. Um artigo feito pelo Sistema Firjan e publicado no ano passado defende que o livre acesso à internet é determinante para o desempenho de setores como logística, produção e vendas e benéfico para o avanço do comércio eletrônico. Há também receio de que tal medida afete as camadas mais pobres, que teriam de pagar mais pelo serviço e prejudique estudantes que utilizam aulas em vídeo.
A resistência de órgãos de defesa do consumidor se baseia no Marco Civil da Internet, que determina "não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização". Sonia Amaro, advogada da Proteste, avalia também que isso vai contra a legislação do Código de Defesa do Consumidor.
– Somos totalmente contrários, vai na contramão do mundo moderno. Isso é uma forma de limitar o direito do consumidor, que depende da internet para trabalho, lazer e pesquisa. À medida que há um bloqueio, você equipara esse consumidor a um que não pagou a conta. A argumentação das empresas não tem sustentação legal – diz Sonia.
Entre os argumentos usados pelas empresas de telecomunicações, há o de que isso seria benéfico para o usuário, já que cada um pagaria proporcionalmente ao seu uso, ou seja, os que utilizam menos dados deixariam de pagar pelo uso dos demais. Os órgãos de defesa do consumidor, afirmam que não há uma estatística ou estudo que especifique as características de um usuário assíduo. Por meio de assessoria, a Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia (SindiTelebrasil) disse, nesta sexta-feira, que não iria se manifestar sobre o assunto.
Especialistas rebatem argumentos das teles
Thiago Ayub, engenheiro e CTO da UPX Technologies, critica a falta de dados e estudos para validar os argumentos mais usados pelas empresas de telecomunicações para defender a implementação de franquia de dados. Ayub afirma que já existe infraestrutura com tecnologia brasileira para provedores de internet a custo moderado para baixo e que os investimentos feitos pelas empresas para ampliação e melhoria dos serviços seriam pontuais e não recorrentes, por isso não teria por quê de o consumidor arcar com o custo de forma recorrente.
– Se há uma escassez na internet brasileira, significa que venderam mais do que a capacidade do que eles tinham. Quando uma empresa vende cem lugares a mais em um avião, isso é overbooking – diz.
Em entrevista a ZH em outubro de 2016, Demi Getschko, engenheiro e diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), considerado o pai da internet no Brasil, reforça a posição de que não haveria uma sobrecarga da infraestrutura de banda larga que motivasse essa cobrança de acordo com o volume de dados. Os custos das empresas não seriam proporcionais ao uso.
– O cara que monta uma estrutura de telecomunicações monta pensando numa estatística. À medida em que a estatística vai subindo, ele tem que aumentar a estrutura, isso é razoável. Mas isso não é um custo proporcional, se você tem uma estrutura e ela está sendo mais usada, aquilo em si não está gerando custo adicional – afirma.
Getschko explica que o conteúdo que é transmitido pela estrutura vem de diferentes países, e para trazê-lo ao usuário do Brasil, as empresas que fornecem o serviço teriam de contratar os meios fora do país. Isso, porém, não é condizente com a realidade atual: sites mais populares já hospedam seu conteúdo aqui.
– Não estou dizendo que a rede sobe de uso e não sobe de custo, sobe, mas também cai custos de equipamentos, caem custos de fibra ótica. Eu acredito que para ficar equilibrado, o mercado já está levando isso em conta, o que eu acho esquisito é que surgiu uma nova forma de querer calcular custo em banda fixa além da velocidade, que é um limitante importante, incluir também quantidade. Agora quando você vai num rodízio, além de pagar por cabeça vão cobrar se é gordo ou magro, comer mais picanha ou mais alcatra. Isso está na estatística, tanto que um rodízio funciona para não falir – diz.