Para falar sobre o futuro, o jornalista britânico Ben Hammersley usa os exemplos da sua própria rotina, na cidade de Los Angeles. Ele delega às máquinas a tarefa de marcar seus compromissos com amigos, pede à assistente virtual para fazer compras quando ele precisa e deixa até um dinossauro de brinquedo com sistema de inteligência artificial entreter sua filha de vez em quando.
Hammersley, que se apresenta como um futurólogo e tecnólogo, editor e escritor há oito anos da revista Wired do Reino Unido e autor de livros como 64 Things You Need to Know Now for Then (em tradução livre, 64 Coisas Que Você Precisa Saber Agora Para Depois), quis provar que o futuro pode se tornar um pouco estranho: caminhões farão transporte de cargas sem motoristas, robôs poderão nos substituir em lugares distantes e algoritmos poderão analisar nossos contratos jurídicos, dispensando um advogado. A exposição de todos esses exemplos por Hammersley, durante o Wired Festival, um evento de futurismo, tecnologia e estilo de vida que aconteceu até o último sábado no Rio de Janeiro, foi feito em tom de empolgação, afinal ele urge as pessoas a pensarem no seu papel ao longo da evolução da inteligência das máquinas. Para ele, a inteligência artificial e a robótica vão auxiliar os seres humanos nas tarefas em que não os substituirão.
– Todo mundo vai poder ser o homem de ferro: usar máquinas para terem superpoderes – diz.
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Durante o festival, Hammersley deu entrevista a ZH:
E as notícias falsas? Começou a se falar muito nisso após a eleição americana.
O que acontece com as eleições americanas é que são um fato muito público. E é uma cerimônia em que metade do país descobre que a outra metade é de idiotas e vice-versa. A cada quatro anos é um choque. E é um choque também para a mídia tradicional saber que nem todas as pessoas são cultas, têm educação, entendem as novas mídias. Nem todos sabem o que é a assinatura de uma reportagem, não se importam, não acham que um jornal é mais importante do que o outro. Uma das maiores ameaças para a civilização é a nostalgia, e apoiadores do Trump são extremamente nostálgicos com uma era que realmente nunca existiu.
Mas você acha que as notícias falsas do Facebook ganharam a eleição?Absolutamente. As notícias falsas no Facebook foram responsáveis 1.000.000% pela eleição de Trump. Se você olhar para a bolha republicana de notícias, a maioria é falsa. Antes, as notícias falsas eram aquela coisa: seu tio louco e racista lhe enviava uma corrente por e-mail. Mas entre a eleição do Obama e do Trump, o Facebook mais do que dobrou de tamanho. Mais pessoas têm smartphone, agora você tem uma população mais conectada. A vasta maioria das pessoas se conectam pelo Facebook e leem as notícias lá, e boa parte são notícias falsas. Eu era um jornalista de TV, eu sou da velha-guarda da mídia tradicional. Se eu acho que as pessoas deveriam ver o Facebook para ler notícias? Não, elas deveriam ler o The Economist e o The New York Times, mas só porque eu penso, não é o que acontece. Eles estão lendo o Facebook porque o valor social que cada pessoa ganha ao compartilhar e discutir uma notícia falsa nessas comunidades é muito maior do que quando eles compartilham um editorial do The Economist ou do The New York Times. O que nós percebemos é que as pessoas valorizam o capital social em compartilhar essas notícias.
Mas seria responsabilidade do Facebook acabar com o problema das notícias falsas?
Eu acredito que, nesse caso, sim. Porque há muita coisa no jogo. Filosoficamente, eu gostaria de dizer que eu sou 1000% a favor da liberdade de expressão. Mas há uma diferença entre isso e o tipo de mensagens falsas que causam grande prejuízo social. As pessoas vão morrer por causa de notícias falsas. Vai ter uma notícia falsa sobre imigrantes e isso pode irritar algum nazista que vai sair atirando em alguém. O Facebook tem uma responsabilidade com a sua comunidade. Se é opinião, ok, mas se for algo mentiroso mascarado como fato noticioso, isso não é um problema de liberdade de expressão.
E como fazer isso?
Se você pode chegar de 1 usuário a 1,7 bilhão em 10 anos, você consegue achar uma solução para notícias falsas. Sério. E se você não consegue, admita. Mas, sim, eles podem.
Você falou que, geralmente, as notícias sobre tecnologia e o futuro só ficam restritas ao lançamento do iPhone e esse tipo de coisa. Como deveria ser o jornalismo de tecnologia?
Repórteres não deveriam cobrir tecnologia. Eles deveriam cobrir as coisas que a tecnologia afeta. Se você quiser saber quais empresas nunca vão inovar, são as empresas que têm um departamento de inovação. O departamento de inovação é a prisão onde eles colocam os funcionários que querem inovar. E eles ganham um espaço com pufes e mesas de sinuca, mas nada acontece. Isso é muito similar à mídia tradicional: se você tem uma seção de tecnologia, você não está cobrindo tecnologia. Tecnologia é como novas ferramentas transformam as coisas. Se você tem um repórter de finanças ou de política que não entende de mídias sociais e tem um repórter de tecnologia, você não entendeu o século 21. Todo mundo deveria ser o jornalista de tecnologia.
Você fala sobre sistemas de inteligência artificial que gravam voz, carros conectados. Você não é paranoico quanto ao uso dos seus dados?
Sim e não. Sou bastante seguro com certos dados pessoais, mas há dados que fico bem feliz de ceder. Temos que entender de maneira mais sofisticada a privacidade e isso vem com um entendimento maior desses sistemas.
Cite exemplos.
O sensor de impressão digital da Apple. O NSA (Agência de Segurança Nacional americana) não pode pegar uma cópia da minha impressão digital e imprimir mãos com ela. Ao mesmo tempo, o aplicativo do Uber fica constantemente monitorando onde eu vou, mesmo quando eu não peço um carro. Isso é muito ruim, eles que se f****.
E o dinheiro ganho pelas empresas com esses dados?
Não fico preocupado com o dinheiro, é mais pelo conceito. Há coisas envolvendo privacidade que são estúpidas. Por exemplo: é ilegal na Alemanha o Google Street View, por que criminosos poderiam olhar casas. Mas as ruas são públicas, eu poderia dirigir até lá e ter uma visão melhor. Banir Google Street View é muito burro.
E o cenário das empresas? Há uma cultura de start ups, mas há grandes empresas que dominam. Isso vai mudar no futuro?
Eu acredito que no futuro todas vão ser conglomerados de companhias, como você tem na Coréia e no Japão: diversas empresas pequenas, mas todas conectadas.
E esse é o cenário ideal?
Não, não acredito que seja o cenário ideal.
E qual seria?
O cenário ideal seria se máquinas e computadores pudessem fazer tudo o que eles podem fazer, para que humanos pudessem maximizar os esforços humanos. Não tem motivo para que as pessoas trabalhem cinco ou seis dias da semana. Temos de dar os trabalhos ruins para os robôs, para que os humanos possam passar mais tempo na praia, pintando, escrevendo. Mas como chegar até lá é a parte mais difícil.
Falamos muito de inteligência artificial, carros autônomos, assistentes virtuais, você foi bastante otimista no seu painel. Mas o mundo, com grande avanço tecnológico, continua sendo bastante desigual. A tecnologia pode resolver esse problema, ou até mesmo causar mais desigualdade?
O cenário mostra que temos uma desigualdade que está expandindo e você vê isso em qualquer país. Há um motivo pelo qual temos Trump e Brexit. Se você está na classe de pessoas que vêm a um festival como esse, o Wired, você tem um iPhone e etc, e vive num mundo completamente diferente dos que trabalham em fazendas ou indústrias. Todos os exemplos que eu dei são de inteligência artificial substituindo trabalho humano. Então, sim, o cenário é muito ruim. Quando falo isso para audiências com banqueiros, todos eles se preocupam. A última vez que teve uma revolta contra as classes ricas, como a Revolução Francesa, os ricos não se deram muito bem. É por isso que estamos começando a ouvir discussões que citam uma possível distribuição de renda mínima para sobrevivência. Classe operária e oligarquias estão percebendo que o mais importante seria manter a estabilidade política, e se for preciso dar uma renda para essas pessoas, tudo bem.
Mas e como inserir essas pessoas, que não frequentam esses eventos, e estão em trabalhos que vão ser substituídos possivelmente?
Na minha visão, ou a unidade política que governa essas pessoas deve prover, ou isso acontecerá depois que morrerem. Nunca funcionou aquela história de dizer: "Não se preocupe com esses mil mineiros ou com esses 5 mil funcionários que foram demitidos de uma indústria, por que vamos ensiná-los Java e eles vão fazer aplicativos de iPhone". Mas você os deixa passar fome? Não. Alguns vão conseguir outros trabalhos? Talvez. Mesmo se você for um hipercapitalista egoísta, a melhor coisa a fazer é ter compaixão. Se esses empresários do Vale do Silício quiserem manter o hipercapitalismo, eles vão ter de se tornarem socialistas.