Uma mulher de 31 anos, contratada como médica veterinária em um abrigo para animais resgatados na enchente em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, é suspeita de exercício irregular da profissão. A mulher foi contratada pela prefeitura para atender no abrigo localizado no antigo Hotel Fadec, onde já atuava de forma voluntária. O município confirmou que, na hora da contratação, a mulher não apresentou diploma.
Ela foi detida pela Brigada Militar no dia 25 de junho, por exercício irregular da profissão e, após ser ouvida na delegacia, foi liberada. Aos policiais, a investigada apresentou um documento com número de registro profissional no Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) do Paraná, que não consta no banco de dados da instituição.
O CRMV do Rio Grande do Sul emitiu nota confirmando que a mulher não possui inscrição no sistema do Conselho Federal de Medicina Veterinária.
A defesa da investigada diz em nota que “não foi constatado o cometimento de nenhum fato definido como crime” e que “não existe qualquer comprovação relacionada ao exercício irregular da medicina veterinária” (leia na íntegra abaixo). Ao ser questionada sobre a formação da mulher, a equipe de defesa respondeu que “no momento, a declaração da defesa se resume ao conteúdo da nota.”
Suspeita de estelionato
Segundo Luísa Antoni, voluntária que atua no abrigo desde o surgimento, inicialmente a investigada não levantou suspeitas sobre sua profissão. Contudo, a suposta farsa teria sido descoberta após desconfianças de que a mulher estivesse desviando dinheiro doado, que era gerenciado pela denunciada.
— Ela proativamente se ofereceu. Abriu uma conta para ela no banco, criou uma chave Pix e assumiu este gerenciamento — diz Luísa.
De acordo com ela, voluntários perceberam um comportamento suspeito da mulher em relação à prestação de contas. Com esta desconfiança, decidiram conferir o registro da suposta veterinária, que não foi encontrado.
— Ninguém sabia, nem imaginava. Foi um susto para todo mundo. Ela era muita boa com a argumentação, dizia que era residente de anestesia. Falava de cirurgias, atendimentos que ela realizava fora do abrigo, que nem sabemos se aconteciam mesmo — conta Luísa.
Segundo Luísa , a mulher trabalhava como coordenadora do turno da madrugada no abrigo, onde era acompanha por pelo menos mais dois profissionais. As principais funções neste período eram administrar medicamentos já receitados a cães doentes.
Luísa relata que o abrigo sofre com a situação. Além do suposto desvio de doações, faltam veterinários. Cerca de 250 cachorros perdidos foram acolhidos no local durante a enchente. Atualmente, 80 cães estão abrigados ali.
Após a denúncia, a Polícia Civil abriu um inquérito para averiguar um possível estelionato em relação do dinheiro doado. Marina Goltz, delegada titular da 2ª Delegacia de Policia de Novo Hamburgo, disse que a investigação ainda está em fase inicial.
Contrato sem diploma
No começo, a mulher investigada, assim como todos no abrigo, atuava de forma voluntária. Mas, após um período de trabalho, os veterinários voluntários informaram que iriam parar de atender no local. Foi quando a prefeitura optou por contratos emergenciais, conta Luísa Antoni:
— No final de maio, a prefeitura assumiu e teve que realizar um contrato emergencial, para a contratação de veterinários para dar suporte em turnos e, então, ela foi contratada como veterinária.
Procurada pela reportagem, a prefeitura de Novo Hamburgo confirmou que a mulher foi contratada, mas que nunca chegou a ser paga, já que não apresentou um dos documentos exigidos. Conforme o Executivo municipal, devido ao momento de calamidade, foi permitido que ela apresentasse o diploma em outro momento. Os documentos solicitados foram o número do registro, certidões negativas, uma declaração de qualificação técnica e o diploma - que não foi apresentado.
A prefeitura não confirmou se o registro da mulher foi checado. Em nota, o município afirmou que “ela foi imediatamente afastada após a denúncia de exercício ilegal da profissão de veterinária e que, inicialmente, o levantamento sobre a atuação da pessoa no abrigo não apontou dano aos animais. Todos os demais contratados já apresentaram documentação completa” (leia na íntegra abaixo).
O nome da investigada não foi divulgado.
O que diz a defesa
“A defesa da mulher, veiculada como “falsa veterinária” pela mídia jornalística, vem reiterar a importância da preservação do sigilo e do respeito à presunção de inocência, à luz do que determina a Constituição Federal.
A apuração dos fatos se encontra em estágio extremamente precoce, sem que se tenha qualquer comprovação relacionada ao exercício irregular da medicina veterinária ou a irregularidades no recebimento de doações.
Ressalta-se que, na data de ontem (25 de junho, quando a Brigada Militar conduziu a investigada à delegacia), não foi constatado o cometimento de nenhum fato definido como crime, razão pela qual a acusada não permaneceu detida em sede policial, da mesma forma que não houve prisão em flagrante ou expedição de qualquer mandado judicial. Ao contrário disso, a acusada prestou esclarecimentos de forma espontânea, em cooperação com as autoridades competentes.
Por essas razões, solicita-se à imprensa a adoção de prudência em suas veiculações acerca do caso. Reitera-se a necessidade do respeito à presunção de inocência, que constitui direito inalienável de qualquer sujeito investigado ou processado criminalmente, não bastando a mera persecução penal para que se declare a responsabilidade de eventual investigado.
Aproveita-se para salientar o empenho da defesa técnica na busca pelo esclarecimento dos fatos, de acordo com a lei.”
O que diz a prefeitura
"Esta pessoa se apresentou nos primeiros dias de maio no abrigo de cães no antigo hotel da Fenac como médica veterinária juntamente com vários outros profissionais para atuar voluntariamente no local. A partir de um determinado momento, a Prefeitura passou a contratar profissionais por meio de chamamento público para aliviar o voluntariado.
A documentação exigida, como qualificação técnica, foi apresentada pela pessoa, faltando apenas cópia da carteira funcional, que era necessária para qualquer pagamento de salário, assim como de outros profissionais contratados da mesma forma e cuja situação está regularizada. O município está prestando total apoio às investigações da Polícia.
A Prefeitura ainda não havia feito nenhum pagamento de salário à pessoa, que já foi afastada das atividades no abrigo e não tem mais qualquer vínculo com o Município. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente irá apurar a conduta desta pessoa em relação aos cães que ela tenha tido contato no abrigo."
O que diz o abrigo
"Em virtude da denúncia recente sobre a médica veterinária responsável pelo nosso abrigo Hotel Fenac, viemos à público prestar alguns esclarecimentos importantes:
A denúncia aponta que a profissional foi contratada pela prefeitura para gerir o abrigo Hotel Fenac e não possui registro no Conselho Regional de Medicina Veterinária, o que a impediria de exercer a função de médica veterinária e coordenadora do abrigo.
Além disso, está sendo investigado a falta de transparência na prestação de contas das doações feitas para o abrigo até então, geridas pela suposta profissional.
Informamos que o caso está sendo investigado pelas autoridades competentes e estamos colaborando com as investigações. A suposta veterinária já foi afastada de suas funções, seu celular foi apreendido pela autoridade policial e realizado o pedido de quebra de sigilo bancário.
Ressaltamos que o abrigo continua em pleno funcionamento, sempre comprometido com o bem-estar dos animais resgatados. Nossa missão é proporcionar condições adequadas e tratamento necessário para que os cães estejam aptos para adoção, essa continuará sendo nossa PRIORIDADE.
Agradecemos a compreensão e o apoio de todos."
O que diz o CRM-RS
"O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul (CRMV-RS) vem a público, diante das últimas notícias veiculadas na imprensa, informar que a pessoa que se identificava como médica veterinária e estava atuando no abrigo de animais, em Novo Hamburgo, não possui inscrição no sistema CFMV/CRMVs."
* Produção: Camila Mendes