A Justiça Militar Estadual recusou o pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) de encaminhar à Justiça Comum a investigação sobre o caso dos policiais suspeitos de torturar e matar Vladimir Abreu de Oliveira, 41 anos, morador do condomínio Princesa Isabel, em Porto Alegre. Na ocasião, o fato motivou um protesto com a queima de dois ônibus.
O MP-RS havia enviado a solicitação sob entendimento de que, com base nas informações do Inquérito Policial Militar (IPM), houve crime de homicídio qualificado e, por isso, o caso seguiria ao Tribunal do Júri de Porto Alegre. No entanto, o despacho da Justiça Militar afirma que “as provas até então colhidas indicam que os militares, em tese, teriam incidido no crime de tortura seguida de morte”.
O texto, assinado pela juíza de Direito substituta Dione Dorneles Silva, informa que não há indícios ou elementos de prova que indiquem que os investigados tenham agido com o dolo (intenção) de matar. Por outro lado, admite que pode "ter ocorrido culpa consciente (os militares previram o resultado morte, mas acreditaram que esse não se daria, talvez, por excesso de autoconfiança nas suas habilidades de tortura)".
A Justiça Militar entende que a ação visava "extorquir informações da vítima acerca de armas e drogas que poderiam estar no condomínio em que essa foi abordada".
Com isso, o caso segue sendo tratado como crime militar pelos delitos investigados de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver. Se fosse considerado homicídio, a decisão final ficaria a cargo do Tribunal do Júri.
Defensoria Pública discorda da decisão
A reportagem de Zero Hora questionou a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul sobre a interpretação da Justiça Militar. O defensor João Otávio Carmona Paz, que atua no caso, discorda:
— Mesmo se há dúvida quanto a qual dos enquadramentos é o correto, o caso deve ir a júri popular. O caso ainda está na fase que chamamos “pré-processual”, então nossa atuação é restrita, mas estamos acompanhando e estudando as possibilidades de incidir nesta fase.
Inquérito na Polícia Civil
No mesmo despacho, a Justiça Militar aceitou um pedido da defesa dos acusados de incluir as informações do inquérito da Polícia Civil que segue em andamento. Nesta quinta-feira (11), o sargento Felipe Adolpho Luiz e o soldado Lucas da Silva Peixoto falaram à 4ª Delegacia de Homicídios de Porto Alegre. Eles são suspeitos de agir diretamente na morte de Vladimir e estão detidos no presídio da corporação. No inquérito do IPM, ambos tinham permanecido em silêncio.
— O motivo do silêncio no IPM foi que não havia sido conferido à defesa o espaço adequado para conhecer os elementos de investigação. Houve uma janela de tempo, de 18 minutos, em que o Vladimir passou sozinho com os dois policiais (Brollo e Dayane, que já prestaram depoimento à Polícia Civil). Agora, se apresenta uma versão robusta, que aponta elementos bastante firmes que vão ao contrário do que foi afirmado anteriormente — ressalta Maurício Custodio, advogado de Adolpho e Lucas.
A soldado Dayane da Silva Souza foi indiciada por prevaricação e o soldado Maicon Brollo Schlumpf é apontado por “deixar de intervir nas agressões das quais foi testemunha ocular”. Os dois serão ouvidos na próxima semana. Já o soldado Bruno Pinto Gomes foi indiciado por omissão de socorro e concedeu depoimento. Os três permanecem soltos.
- 2º Sargento Felipe Adolpho Luiz: tortura seguida de morte e ocultação de cadáver (preso preventivamente)
- Soldado Lucas da Silva Peixoto: tortura seguida de morte e ocultação de cadáver (preso preventivamente)
- Soldado Maicon Brollo Schlumpf: tortura por omissão
- Soldado Dayane da Silva Souza: prevaricação
- Soldado Bruno Pinto Gomes: omissão de socorro
As defesas dos policiais militares, representadas por seus advogados, foram procuradas. A advogada Andréa Ferrari defende a soldado Dayane e afirma que assumiu a defesa nesta sexta-feira e, por isso, ainda não teve acesso aos autos. De toda forma, ressalta que a situação dela não se enquadra nas acusações que estão sendo feitas.
O soldado Maicon Brollo é defendido pelo advogado Fábio Silveira, que afirmou que "a avaliação da Justiça Militar parece ser a mais adequada tecnicamente para a apuração do fato".
O advogado Maurício Adami Custodio defende o sargento Felipe Adolpho e o soldado Lucas Peixoto. Em nota, ele afirma que "em crimes de complexidade e repercussão, nenhuma prova será absoluta. Nenhuma versão será superior àquela ou esta evidência. A versão prestada pelos policiais anteriores que foram agraciados por sequer terem sido afastados, foi contestada nos interrogatórios."
Segundo ele, "há uma janela de tempo, algo em torno de 18 minutos, em que Vladimir permaneceu sozinho com os outros policiais" e que "houve incriminação dos nossos clientes (Adolpho e Peixoto)" .
Confira a nota da defesa de Adolpho e Peixoto
"A defesa de Lucas e Adolpho sempre insistiu que a investigação deveria ser tratada com mais tranquilidade e cautela. Em crimes de complexidade e repercussão, nenhuma prova será absoluta. Nenhuma versão será superior àquela ou esta evidência. A versão prestada pelos policiais anteriores que foram agraciados por sequer terem sido afastados, foi contestada nos interrogatórios. Importante dizer que há uma janela de tempo, algo em torno de 18 minutos que Vladimir permaneceu sozinho com os outros policiais. Acreditamos que houve incriminação dos nossos clientes. Aguardamos as investigações da Polícia Civil que está examinando cada detalhe. Diversamente, a Brigada optou por seguir uma visão única, sem explorar melhor os fatos nem sequer se questionar eventuais motivações pessoais, sobre a morte de Vladimir. Sobre a decisão da Justiça Militar em indeferir o pedido de declínio de competência, sempre afirmamos que nos parece claro que a Vara do Júri tenha que decidir sobre tais fatos. Houve apressamento da Justiça Militar em prender e prendeu errado e injustamente os policiais que defendemos. Tanto é verdade que desde sempre pedimos a auditoria militar que se assegurasse da existência de investigação na Polícia Civil, evitando prejuízos e demais interpretações conflitantes. Estamos aguardando as diligências e resultados para poder infirmar ainda mais a versão dada contra nossos clientes."
A reportagem segue em busca da localização da defesa do soldado Bruno Pinto Gomes. Até a publicação desta matéria, não havia sido encontrada.