"Vamos lutar até o fim por ti". A mensagem escrita nos panfletos espalhados pela família de Leandra Vitória Franco Rossales da Silva em frente ao Fórum de Pelotas, no sul do Estado, representa o sentimento que guia a mãe e as irmãs dela. No dia em que completava 25 anos, em 22 de agosto, a jovem foi vítima de feminicídio. Morta com um tiro no peito, ainda teve o corpo carbonizado.
Na tarde desta terça-feira (10), a família da jovem realiza manifestação pedindo justiça. A primeira audiência do processo também se iniciou durante a tarde, com os depoimentos de testemunhas. O então namorado de Leandra Vitória, Lucas Loi Potenza, 27 anos, foi preso no mesmo dia do feminicídio. Ele foi denunciado pelo Ministério Público e se tornou réu pelo assassinato.
Entre as testemunhas a serem ouvidas nesta terça-feira, estão policiais que participaram da investigação do caso e familiares da vítima.
— Hoje é um dia muito difícil. Todos os dias têm sido difíceis. Mas hoje é ainda mais. Depois de tudo, vou ver eles (o réu e os pais que foram denunciados). Só espero que o Poder Judiciário nos escute — desabafa a mãe de Leandra, Maiza Franco da Silva, 47 anos.
Além de Lucas, os pais dele João Luiz Potenza, 70, e Maria de Lurdes Loi Potenza, 72, também foram denunciados por auxiliar na ocultação de cadáver da jovem.
A investigação da Polícia Civil apontou que a jovem foi morta com um tiro de revólver no peito. Depois, o corpo foi levado num trator até um matagal, onde foi colocado fogo. Os pais de Lucas chegaram a ser presos, mas foram libertados após pagamento de fiança.
Suspensão do processo
No caso dos pais, foi concedido um benefício legal: a suspensão condicional do processo. Trata-se de uma espécie de acordo entre a acusação e defesa, previsto na legislação para alguns casos. O próprio MP propôs a suspensão, mediante o pagamento de dois salários mínimos ou prestação de serviço para a comunidade por seis meses, entre outras obrigações. Além disso, os dois estão proibidos de se ausentarem de Pelotas por mais de 15 dias sem autorização judicial e devem comparecer a cada três meses na Justiça.
Os dois devem cumprir as obrigações pelo período de três anos. Caso descumpram alguma das exigências, podem ser submetidos ao júri pelo crime de ocultação de cadáver.
— Eles pagam salários mínimos e assinam no Fórum. E eu? E o dano que o meu neto sofreu? E o dano que eu sofri? A Justiça não vê isso? — lamenta Maiza.
Maria de Lurdes ainda responde por favorecimento real, por ter tentado esconder o revólver que teria sido utilizado no crime. A decisão pela suspensão condicional do processo causou revolta entre os familiares de Leandra Vitória e foi um dos motivos do protesto desta terça-feira.
— Se não tivesse a testemunha para dizer que ela (Maria de Lurdes) pegou a arma do crime e obrigou a guardar, eu acho que nem favorecimento ela ia pegar. A única coisa que eu estou vendo é os pais dele (Lucas) serem favorecidos. Eu não fui favorecida, nem a ver o rosto da minha filha. Além de tirarem a vida da minha filha eu não pude ver o rosto dela — diz a mãe de Leandra.
Vítima tentou escapar
Mãe de um menino de cinco anos, Leandra Vitória vivia em Pelotas, no bairro Guabiroba, com a avó. Era naquele bairro que morava desde a adolescência. Ali, ajudava a cuidar de duas sobrinhas — filhas de uma das suas irmãs —, no período da manhã. Amorosa, era apegada às crianças e não desgrudava do filho. Cerca de um mês antes do crime, a jovem havia se mudado para a área rural para viver com o namorado. O relacionamento entre os dois era recente.
O casal passou a viver na mesma propriedade onde moravam os pais dele, numa residência aos fundos. Os contatos entre Leandra Vitória e os familiares ficaram mais escassos nesse período. Numa troca de mensagens, no dia 21 de agosto, uma segunda-feira, a jovem prometeu a uma das irmãs que passaria o aniversário com a família no dia seguinte. Mas isso não chegou a acontecer. A família suspeita que Leandra Vitória já estivesse sofrendo violência doméstica, mas não conseguia pedir ajuda.
Um dia antes de ser morta, segundo a mãe, a jovem teria chegado a colocar o filho dentro de um carro e tentado sair da localidade, mas não conseguiu e acabou batendo o veículo.
— Ele bateu na minha filha. Ela estava sofrendo. Tentou sair de lá, e não conseguiu. Ninguém ajudou, ninguém impediu — lamenta Maiza, que agora é uma das responsáveis por cuidar do neto, que ficou órfão.
Leandra Vitória era uma mãe dedicada e recorria a diferentes empregos para sustentar a criança. Trabalhava, inclusive, como auxiliar em obras. Quando estava sem serviço, vendia meias e panos de prato nas ruas. A família tenta lidar com a perda de Leandra Vitória e com o trauma do menino, que presenciou a morte da mãe. Os familiares encaminharam a criança para tratamento psicológico.
Contraponto
Após ser preso, Lucas Loi Potenza optou por permanecer em silêncio. Segundo a polícia, não havia nenhum registro de Leandra Vitória contra o namorado.
GZH entrou em contato com o advogado Konstantin Knebel, que representa o réu e os pais dele, e aguarda retorno. Em contato anterior, o advogado informou que não pretendia se manifestar.
Prevenção ao feminicídio
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dado a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone — 190
- Horário — 24 horas
- Serviço — atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço — Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone — (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário — 24 horas
- Serviço — registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)