A Polícia Civil desencadeou na manhã desta terça-feira (10) a Operação Gamblers, que cumpre mandados de buscas e apreensão em 10 endereços de Porto Alegre. O objetivo é reunir provas adicionais para fechamento do inquérito sobre o assassinato do bicheiro João Carlos Franco Cunha, o Jonca, 72 anos, ocorrido em 2021.
O banqueiro da jogatina clandestina foi morto com dois tiros de revólver em plena luz do dia, em 15 de maio de 2021, quando parou sua Pajero no sinal fechado de uma sinaleira, na Avenida Princesa Isabel, no bairro Santana (veja abaixo). Investigação da 2ª Delegacia de Homicídios da Capital (2ª DHPP), a cargo do delegado Eric Dutra, concluiu que o contraventor foi morto por rivais, num contexto de disputa pela lucratividade na exploração de pontos do jogo do bicho. As buscas tentam reunir indícios materiais do crime.
Não se sabe a exata quantia de pontos de jogo que era administrada por Jonca na época da sua morte. Nos anos 1990, quando interrogado pela Polícia Civil, ele admitiu que explorava 150 pontos de apostas clandestinas no Centro e na Cidade Baixa, empregando 180 pessoas.
Jonca começou atividade na Restinga, na Capital, onde patrocinava escola de samba. Depois expandiu seu domínio para áreas centrais e bem situadas: Azenha, Menino Deus, Cidade Baixa, Centro Histórico e Bom Fim, entre outros. Explorava tanto bicho quanto bingos.
Chegou a ser sócio de uma das maiores casas de apostas ilegais em Porto Alegre, o Bingo Coliseu e Roma, no bairro Azenha, que, no auge, recebia 2 mil clientes por dia, contava com cem máquinas caça-níqueis e 70 empregados. Depois, Jonca deixou essa sociedade e continuou com bingo num estabelecimento menor, na Avenida Princesa Isabel, a poucos metros de onde foi assassinado.
Ao ser morto, Jonca era um dos últimos integrantes vivos do chamado Clube da Sorte ou Clube dos 13: a união dos principais banqueiros do bicho na Capital. Quase todos eram donos de casas lotéricas, mas ganhavam dinheiro também com o jogo do bicho. Jonca mantinha ainda duas livrarias. Mas nunca se afastou da jogatina ilegal, fato que, segundo as investigações, teria desembocado em seu assassinato.
Buscas
O chefe do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Mario Souza, não revela nomes dos alvos das buscas, mas a reportagem de GZH descobriu que são feitas em propriedades dos indiciados pelo assassinato. Entre eles está o empresário Adriano Carvalho, filho de um antigo integrante do Clube da Sorte, Thales Carvalho — já falecido —, e outros três supostos envolvidos no crime.
Thales e Jonca foram sócios em vários pontos de bicho na área central da cidade e mantinham boa relação. Conforme depoimentos coletados pelos policiais civis, com a morte de Thales, por doença, Adriano teria herdado os pontos de jogatina do pai. Só que Jonca teria dificultado essa iniciativa, mudado as regras de arrecadação do jogo e, para culminar, cortado pensão — menos de um salário mínimo — que costumava pagar para a ex-esposa de Adriano, doente crônica.
Um mês após o assassinato, em junho de 2021, policiais receberam áudios de diálogos trocados pelo WhatsApp. Nas mensagens, dois homens com antecedentes por tráfico de drogas e assaltos conversam sobre como podem emboscar um homem idoso que tripula uma caminhonete. Um dos interlocutores detalha o plano para o outro:
"Neste dia, 13h30min às 14h30min, não tem segurança armado. Tanto que a gente pode ir pela Ipiranga (avenida) como pela Bento (outra avenida), natural...a gente vai se sumir rapidinho no meio do tumulto. É matar o cara, 'pegamo' o dinheiro. Matou o cara, já vem o Pix".
O homem prossegue:
"Ô, meu...te liga na cena. O Véio vem numa Pajero, tá, preta. Eu vou te mandar a foto da Pajero. No caso, não sei o que o Véio fez pro brigadiano, pro policial civil ali, é um cara da Civil que quer dominar a situação. O que eu tô entendendo é que é pra milícia. É policial corrupto, não pagou, o cara derruba".
Estes dois homens tiveram a prisão temporária decretada pela Justiça, em 2021. Em depoimento aos policiais, ambos negaram envolvimento no assassinato, mas confirmaram que receberam proposta para matar Jonca. A emboscada seria feita mediante pagamento de R$ 5 mil, divididos entre os dois. Eles asseguram que não cometeram o crime, embora um deles tenha admitido ter se inclinado a aceitar o "serviço", por estar sem dinheiro.
A encomenda teria partido de um homem, Marcelo, que ele considera "como se fosse um primo". Os policiais identificaram o homem como Marcelo Silva de Almeida Junior, que teria se associado a outros dois homens, Renato Costa de Castro e Evandro de Araújo Corrêa, para contratar matadores.
Renato Castro seria o suposto "policial civil" mencionado no diálogo os dois homens que falam da emboscada. Na realidade, ele não é policial, mas no submundo teria essa imagem. Há suspeita de que utilizasse distintivo da Polícia Civil.
Além dos dois homens que recusaram a oferta para matar, foram presos em 2021 Marcelo, Evandro e Renato. Eles negaram envolvimento e foram soltos pela Justiça, dias depois dos depoimentos prestados.
A Polícia Civil indiciou Marcelo, Evandro e Renato pelo assassinado de Jonca. Os dois interlocutores das mensagens de WhatsApp não foram indiciados por homicídio, porque os agentes se convenceram de que eles não participaram do assassinato.
Assassinato filmado
Os dois indiciados — Marcelo e Renato — intermediaram o acerto para a emboscada, mas não teriam apertado o gatilho. Restava aos policiais resolverem dois impasses: identificar o autor dos disparos e quem o contratou, efetivamente.
Como o assassinato foi documentado por câmeras de videomonitoramento, surgiram pistas. O atirador chegou a pé, esperou a vítima parar na sinaleira e encostou o revólver no vidro do motorista, disparando duas vezes. O matador usava boné e um colete similar ao dos guardadores de carro. Correu e ingressou num veículo que o esperava para a fuga, um Agile prata. Ele até hoje não foi identificado.
O homem que ordenou a morte do bicheiro, no entender dos investigadores do Departamento de Homicídios, é o empresário Adriano Carvalho, que foi indiciado pelo crime. E quais os indícios contra ele? Em primeiro lugar, a desavença que ele tinha com Jonca, conforme depoimentos de pessoas relacionadas à vítima. Uma das testemunhas disse que "o filho do Thales enlouqueceu e várias vezes dirigiu ameaças" a Jonca.
A inimizade entre os dois também foi confirmada por um antigo bicheiro, integrante do Clube da Sorte. O segurança de um estabelecimento na Avenida Princesa Isabel declarou que foi interpelado por Carvalho, perguntando onde estava Jonca.
— Estou aqui para assumir o que me é de direito. Mas o velho sem-vergonha tá fugindo de mim — teria dito Carvalho, em referência a Jonca.
Ameaças por celular
Os policiais reforçaram as suspeitas sobre quem arquitetou a emboscada ao terem acesso a mensagens de WhatsApp que estavam no celular do bicheiro morto. Em conversa com outro banqueiro do bicho, encaminhada a Jonca, Carvalho teria feito ameaças:
— Vocês são tudo cu de cachorro! Dia 22 de fevereiro meus filhos vão assumir a parte do meu pai (no jogo). Agora, se quiserem pagar para ver, nem João, nem tu e nem Vilmar vão bancar mais. Vamos ver quem pode mais! Não fica surpreso se receber uma visita na banca. E se os seguranças quiserem pagar para ver, verão! Aí vamos ver quem é que vai roubar o que é do meu pai.
Em outra mensagem, uma mulher avisa Jonca do risco:
— Sai daí que o Adriano (Carvalho) tá indo atrás de ti.
As mensagens estão anexadas ao inquérito e motivaram o indiciamento de Adriano Carvalho pelo assassinato. Ouvido na delegacia, ainda em 2021, Carvalho admitiu ter desavença com Jonca por causa da pensão que o bicheiro teria prometido pagar à sua ex-mulher, mas silenciou sobre pontos de jogatina. Os policiais desconfiam dessa versão e concluíram, com base em depoimentos, que o verdadeiro motivo da inimizade é que Carvalho tinha interesse em assumir a parte do seu pai, Thales, no negócio ilícito.
Contraponto
O que diz Marcelo de Almeida Junior:
A defensora dele, Aline Pereira, não atendeu telefonema da reportagem.
O que diz Renato Costa de Castro:
Não foi localizado pela reportagem.
O que diz Evandro de Araújo Corrêa:
O defensor dele, Daniel Monteiro, não atendeu telefonema da reportagem.
O que diz Adriano Carvalho:
Ele não foi localizado pela reportagem, nem pela Polícia.