Nos últimos meses, o Estado registrou casos de homicídios cometidos com dinâmicas semelhantes, que exigem investigações complexas por parte da Polícia Civil. Nestes casos, criminosos utilizam fardas de instituições — como o Exército e polícias — para entrar em residências e realizar os assassinatos. Ao menos três municípios registraram ações do tipo neste ano.
Um dos casos mais recentes ocorreu em Porto Alegre, na madrugada de 2 de maio. Conforme a ocorrência, ao menos quatro homens invadiram uma casa no bairro Campo Novo, na zona sul de Porto Alegre. Na ação, os homens se identificaram como policiais, apesar de não vestirem fardas, segundo a polícia.
Dentro da residência, um homem de 36 anos — que não teve o nome divulgado — foi morto a tiros. Mais pessoas estavam na casa, mas não ficaram feridas. O caso é investigado pela 4ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Capital. Sem informar detalhes, a polícia disse apenas que a investigação está avançada e que a principal linha é que o homicídio tenha relação com disputas envolvendo o tráfico de drogas. Até o momento, ninguém foi preso.
Conforme o delegado Thiago Carrijo, que atende temporariamente a 4ªDHPP, alguns integrantes de facções são destacados paras estas ações.
— Dentro desses grupos criminosos, tem indivíduos que possuem essa missão, de cometer os assassinatos. Seja por dívida ou por alguma disputa de ponto de tráfico de drogas. Chegar nesses integrantes exige uma investigação complexa e qualificada, mas temos tido um nível grande de elucidação.
Crime terceirizado
Em outros casos, no entanto, o trabalho é "terceirizado". De acordo com o delegado Marcelo Arigony, de Santa Maria, em algumas das ações, criminosos se utilizam de "soldados" para cometer delitos como homicídios. São pessoas que não têm envolvimento no crime organizado, como usuários de drogas, ou que cumpriram penas por crimes de menor potencial ofensivo.
— Pegam criminosos "menores" ou que ficaram presos e contraíram dívidas com a facção na cadeia, onde colchão e comida são cobrados por detentos, por exemplo. Dão uma missão para a pessoa, que muitas vezes não poderá negar, porque sua vida e de familiares estarão em risco. Nesses casos, normalmente a pessoa nem sabe o motivo do homicídio, quem era a vítima, o que fez para a facção — diz Arigony.
Em um caso de homicídio investigado por Arigony neste ano em Santa Maria, o autor da morte era um homem da Região Metropolitana.
— Ele afirma que cometeu o assassinato porque estava devendo para a facção. Nem conhecia as pessoas que foram ao local com ele, nem quem foram matar. Ele tem alguns antecedentes, mas menores, não tinha relação com o grupo criminosos que ordenou o homicídio — lembra Arigony.
Em outro caso de homicídio investigado por ele, pelo menos cinco homens também se vestiram com fardas policiais durante a ação. O crime aconteceu em 17 de abril, quando o grupo invadiu uma casa, no bairro Divina Providência, em Santa Maria, e matou os irmãos Robson Luciano Tiliman, 37 anos, e Gelson Adriano Tiliman, 39, com cerca de 20 tiros cada.
Segundo a investigação, a motivação para o dupla assassinato seria a disputa entre facções pelo domínio do tráfico de drogas no município. Quatro envolvidos na ação foram presos até o momento. A polícia apura se mais criminosos têm relação com o caso. A investigação segue em andamento. Segundo o policial, a polícia tem trabalhado para conter esse tipo de ação, e cerca de 90% dos homicídios registrados em Santa Maria neste ano foram esclarecidos.
Para Carrijo, o uso de pessoas de fora da facção é uma tática dos criminosos.
— É uma forma de criar obstáculos, trazer dificuldades para os investigadores. Porque os integrantes dos grupos são mapeados, conhecidos. Quando se terceiriza a execução da morte, acaba-se deixando mais complexo, sim, mas não inibe nosso trabalho.
Problema grave
O delegado Carrijo avalia que são "gravíssimas" as ações em que criminosos se passam por agentes das forças de segurança. A falsa abordagem prejudica o trabalho dos policiais e gera receio na população durante abordagens.
— A utilização de fardas é algo gravíssimo. Coloca os próprios policiais em risco quando vão cumprir ordens judiciais, porque as pessoas ficam receosas, em dúvida sobre a abordagem. As pessoas desconfiarem se o agente de farda é de fato um policial é algo que não pode acontecer — analisa Carrijo.
Segundo ele, as vestimentas usadas por pelos criminosos são confeccionadas, muitas vezes, em "fabriquetas", empresas pequenas que operam na ilegalidade e obtêm os símbolos das instituições na internet. Algumas lojas vendem os produtos livremente, até mesmo pela internet, onde as peças são obtidas facilmente.