A revelação de que a rede de barbearias El Cartel Fernandes é alvo de investigação da Polícia Civil por lavagem de dinheiro para uma célula da facção com base no Vale do Sinos causou surpresa entre clientes e seguidores do grupo nas redes sociais.
Na quinta-feira (25), as barbearias foram revistadas por policiais e os três irmãos que gerenciam o negócio foram presos. Em resumo, a apuração apontou que dinheiro do tráfico de drogas e de extorsões contra famílias que vivem em área invadida em Viamão teria saído de contas bancárias gerenciadas por criminosos e engordado as das barbearias, fazendo com que o negócio se tornasse uma rede com 10 unidades, sendo oito em Porto Alegre e duas no Rio de Janeiro.
O delegado Filipe Bringhenti, que coordenou a investigação pela Delegacia de Combate à Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), explica como seria a lógica do negócio:
— Quem ganha dinheiro como proveito de crimes busca esconder, pois sabe que um dia o Estado pode localizar e recuperar esses valores. E mesmo que esteja preso, como é o caso de dois investigados desta operação, eles querem usufruir desses valores, manter a família bem, ter regalias, enfim, o crime precisa compensar financeiramente. Então, eles buscam afastar esse dinheiro da origem ilícita na tentativa de dificultar que as autoridades encontrem esse capital. Para isso, fazem uma sucessão de transferências bancárias para pessoas de alta confiança. São camadas de dificuldade que vão sendo criadas.
Segundo a polícia, nas análises feitas a partir das quebras de sigilo é possível constatar que o dinheiro vai para determinadas pessoas que, em alguns momentos, devolvem parte daquele valor para a conta de origem. É como se o dinheiro do crime fosse enterrado — quando é colocado em outras contas — e, quando precisam pagar dívidas ou fazer outros investimentos, os criminosos pegassem parte de volta, explica Bringhenti:
— Como se R$ 5 milhões ficassem enterrado. Cada vez que precisam de uma parte, vão lá, desenterram e pegam. Assim funciona com as contas que recebem os valores: pequenas partes aparecem voltando.
Mas e quanto a quem recebe esses altos valores na contas, como teria acontecido com os donos da El Cartel Fernandes, como consegue se justificar? No caso específico das barbearias, o delegado afirma que a estratégia teria sido criar uma imagem de sucesso, de que trabalhando o dia todo é possível progredir daquela forma e chegar a uma vida com bens luxuosos, dirigindo Porsche e tendo alto fluxo de dinheiro nas contas.
— Se você tem uma barraca de venda de cachorro-quente, não consegue manter essa imagem, justificar alto faturamento. Vai chamar muito a atenção. Mas se você tem uma dezena de lojas em bairros nobres, paga aluguéis caros, dá cursos, mentoria, viaja, esbanja sucesso, é uma forma de justificar o ingresso de altas receitas nas contas — diz o delegado.
Na Operação Xerxes, desencadeada quinta-feira, oito pessoas foram presas. Num prazo de 10 dias elas serão interrogadas sobre as extorsões e a participação em organização criminosa. Um segundo inquérito, que trata especificamente sobre a lavagem de dinheiro, ainda terá mais desdobramentos.
Entenda o esquema apurado pela investigação
- Criminosos lucram com negócios ilícitos, como o tráfico de drogas, roubos, extorsões. Esse dinheiro, se ficar atrelado a eles, guardado em contas, por exemplo, pode facilmente ser descoberto por autoridades e bloqueado.
- Por isso, os criminosos usam "laranjas", pessoas sem envolvimento aparente com crimes, para abrir contas bancárias, e passam a investir em negócios lícitos para dar aparência de legalidade para o montante de dinheiro que vem do crime.
- No caso investigado pela Operação Xerxes, foram dois anos de análise da circulação de valores, o que é feito por etapas. Por exemplo, se A está sob investigação por determinado crime e surge repasse suspeito de dinheiro dele para B, a polícia tem de pedir ao Judiciário autorização da quebra do sigilo de B e assim por diante.
- Na origem da Operação Xerxes, havia denúncias de que pessoas ligadas a uma associação comunitária de Viamão estariam exigindo pagamentos de moradores por meio de ameaças. Assim, a conta da associação foi alvo de quebra de sigilo. A partir dela, foram identificados diversos repasses.
- Uma das contas que recebia valores a partir daquela da associação seria de uma pessoa que mantinha empresas que não justificam o fluxo de valores, conforme a polícia. O homem foi preso na operação — Guilherme Barbosa Altieri.
- A investigação detectou que contas de Altieri seriam operadas diretamente por Jackson Fabiano Benedik, um dos apontados como responsável pelas extorsões em Viamão. As contas de Altieri receberiam, segundo análises, depósitos também dos lucros com o tráfico de drogas do grupo comandado por Jackson.
- Operando contas em nome de Altieri, Jackson então faria transferências para contas das barbearias El Cartel Fernandes. Com isso, os sócios — os irmãos Erick, Allan e Nicholas Berkai Fernandes, também presos na operação — teriam passado a abrir novas unidades e a fazer forte campanha do sucesso dos negócios em redes sociais.
- O pai e a mãe dos irmãos Berkai Fernandes também teriam recebido valores enviados por contas de Altieri e movimentadas por Jackson.
Contrapontos
O que diz a defesa de Guilherme Barbosa Altieri
GZH segue tentando contato com a defesa dele.
O que diz a defesa de Jackson Fabiano Benedik
GZH segue tentando contato com a defesa dele.
O que diz a defesa dos irmãos Berkai Fernandes
GZH conversou com o advogado João Vicente Caputy, que na quinta-feira disse representar os três irmãos Berkai Fernandes. Ele afirmou que iria se manifestar depois de ter acesso a informações da investigação. Nesta sexta-feira (26), ele disse que outro advogado entraria no caso e ficou de informar o nome.