Na última segunda-feira (12), moradores da Rua Hermes Pereira de Souza, no bairro Piratini, em Alvorada, ouviram o som de crianças brincando. No pátio, três meninas, com três, seis e 11 anos de idade, e um menino de oito anos gargalhavam, enquanto tomavam banho de mangueira, numa tarde abafada. Pouco depois, o alvoroço dos quatro irmãos silenciou. Foi no fim daquela tarde que, segundo a polícia, as crianças foram assassinadas dentro da residência onde o pai morava. David da Silva Lemos, 28 anos, foi preso em flagrante na madrugada desta quarta-feira (14) pelo assassinato dos filhos.
O crime só foi descoberto no início da noite de terça-feira (13), quando a avó paterna das crianças, que reside no mesmo terreno, encontrou os corpos dos netos. O filho dela já não estava na residência. Ele seria preso mais tarde, em um hotel nas proximidades da rodoviária de Porto Alegre. O homem não quis prestar depoimento, mas narrou informalmente aos policiais como teria se dado o crime. Lemos teria dito que dopou os filhos, com um chá, e depois assassinou a um a um. O relato dele, segundo a polícia, coincide com o cenário do crime, já que não havia evidência de reação por parte das vítimas. Três delas foram mortas a facadas e a caçula foi asfixiada.
As crianças chegaram à moradia do pai ainda na sexta-feira e deveriam ter regressado à casa da mãe, uma mulher de 24 anos que reside em Porto Alegre, no domingo, mas isso não aconteceu. Segundo a polícia, ela já havia registrado ocorrência contra o ex, de quem estava separada desde setembro, por violência doméstica, e obteve medida protetiva. Durante o relato no Palácio da Polícia, Lemos teria dito que decidiu cometer o crime como forma de vingança contra a ex, para que ela fosse atingida pela morte dos filhos.
A dona de casa Cássia Ferreira, 47 anos, estava jantando quando ouviu o som de uma ambulância. A filha dela foi até o lado de fora e viu que o veículo havia estacionado na casa vizinha.
— Jamais pensei que fosse as crianças. Quando eu saí na rua, perguntei o que houve e o vizinho disse: “O David matou os quatro filhos”. Foi um choque, porque eu conhecia ele, desde que nasceu, e as crianças. É muito triste mesmo. Como mãe, eu fiquei arrasada, coração partido — relatou.
O casal, que se relacionou por cerca de 12 anos, chegou a residir na mesma rua. No entanto, após a separação, a mãe havia se mudado com as crianças para a Capital. Ainda assim, elas costumavam visitar o pai e a avó.
— Eram crianças alegres, felizes, brincando, como toda criança normal. Aparentemente também um casal normal — diz Cássia.
Vizinho da residência, Leandro da Silva Casado, 26 anos, ouviu as crianças brincando enquanto ele cortava a grama de casa, na tarde de segunda-feira. Foi a última vez que ele viu os pequenos.
— Ontem (terça) eu cheguei em casa, vi a polícia, tudo. Quando os vizinhos falaram que o pai tinha matado as quatro crianças não acreditei. Para nós, ele nunca aparentou ser uma pessoa agressiva — afirmou.
O morador recorda que o menino costumava brincar na cerca que dividia os pátios, e que ele alertava o garoto para que tomasse cuidado ou poderia se machucar. Lembra que o garoto era bastante educado.
— “Tá bom tio, não vou subir”, ele dizia. A gente tinha mais convivência com o menino — contou.
A polícia ainda não conseguiu ouvir a mãe das crianças, que entrou em estado de choque ao saber da perda dos quatro filhos e precisou de atendimento médico.
Familiares arrasados
Tio do pai das crianças, Leandro de Freitas Farias, 51 anos, foi até as proximidades da casa onde aconteceu o crime nesta manhã, ainda perplexo. O familiar diz que ainda não conseguiram compreender o motivo do crime.
— Ninguém entende por que ele fez isso. As crianças vinham visitar a avó, visitar ele. Não ficavam muito tempo afastados. Ninguém imaginou que podia acontecer esse tipo de coisa. Eles brincavam com as minhas filhas, iam para lá tomar banho de piscina. A avó deles está arrasada, à base de remédios. Imagina, perder as quatro crianças — afirmou.
No início da manhã, em frente ao Palácio da Polícia, a dona de casa Ana Terezinha Guimarães Rosa, 53 anos, que é cunhada da avó paterna, também desabafou sobre o crime. Arrasada, disse que só foi ao local para saber se Lemos continuava preso.
— Acabou pra nós. As crianças foram embora e a gente foi junto com eles. A esposa dele não queria mais voltar para ele. Ele não queria trabalhar. Não queria cuidar dos filhos — disse.
Sobre as vítimas, disse que a rotina deles se dividia entre a casa e a escola.
— Eram crianças maravilhosas — afirmou.
Investigação quer ouvir mãe
Segundo o delegado Edimar Machado, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a polícia pretende ouvir a mãe das crianças nos próximos dias para confirmar algumas das informações que foram repassadas por familiares. Isso deve ocorrer mais ao fim desta semana ou na próxima, já que neste momento ela não apresenta condições.
Procurado pela reportagem, o 2º Juizado da Violência Doméstica do Foro Central de Porto Alegre confirmou que a mulher tinha medida protetiva vigente contra o suspeito. O delegado afirma que a restrição de aproximação se aplicava somente à mãe, não às crianças.
Neste momento, a polícia analisa os depoimentos coletados no local do crime e deve avaliar quais pessoas ainda precisam ser ouvidas.
— Precisamos tirar com a mãe algumas dúvidas, como sobre as ameaças que ela estaria sofrendo dele, o tempo exato que estavam separados. Tudo isso nos foi trazido por outras pessoas, em informações preliminares — disse.
Sobre o histórico do investigado, segundo o delegado, além do registro feito pela mãe das crianças havia outra ocorrência de lesão corporal, na qual ele teria agredido um funcionário em um posto de saúde.
“Ele já agrediu a minha filha”, disse avó
Ao amanhecer, a avó materna das crianças também esteve no Palácio da Polícia, onde foi ouvida pela equipe da RBSTV. Aos prantos, Idenise Martins da Silva contou que ela mesma acionou a polícia anteriormente, após Lemos agredir a filha dela.
— Ele já agrediu a minha filha. Uma vez, as crianças foram para a casa da avó em Alvorada e ele agrediu ela. Eu chamei a Brigada, que esteve lá e pegou ele. E agora ele fez essa barbaridade com meus netos, que não tinham nada a ver. Esse assassino. Já tinha acabado o relacionamento, mas ele fez para atingir a minha filha da pior forma que tem. Ele é um covarde — disse a avó.
Idenise, que reside ao lado de onde aconteceu o crime, permanecia no local nesta quarta-feira, mas preferiu não atender a reportagem. No pátio, repousava abandonada, em frente à casa de madeira, uma gangorra infantil colorida, com quatro lugares vazios.
Contraponto
A Defensoria Pública do Estado, responsável pela defesa de Lemos, divulgou a seguinte nota:
"A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul informa que esteve presente na audiência de custódia do acusado, realizada na manhã desta quarta-feira (14), no Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional – NUGESP, para garantir a ampla defesa e o contraditório. Na ocasião, foi decretada a prisão preventiva. O homem informou que, em princípio, não constituirá advogado particular. Sendo assim, a partir de agora, a Defensoria Pública seguirá atuando na defesa dele e irá se manifestar somente nos autos do processo."