A Polícia Civil investiga um grupo de pessoas que estaria aplicando golpes em diferentes cidades do Estado. Conforme a investigação, trata-se de uma família que vive como nômade e vendendo chás como se fossem milagrosos. O grupo também oferece trabalhos espirituais, promete quebrar maldições e curar doenças por meio de rituais. O principal alvo dos criminosos, segundo a apuração, são pessoas idosas. Um homem do grupo chegou a ser preso em flagrante no último dia 26, por charlatanismo, estelionato e constrangimento ilegal, mas foi liberado pela Justiça no dia seguinte. O inquérito segue em andamento.
Em um dos casos, registrado em Rio Pardo, o grupo teria levado cerca de R$ 20 mil de um casal de idosos. De acordo com o delegado Anderson Faturi, dois homens, supostamente pai e filho, teriam ido até a residência dos idosos e oferecido trabalhos espirituais. A dupla teria afirmado que a filha do casal tinha um problema de saúde e apenas mais alguns meses de ida. Para descobrir qual a causa e a cura para a suposta doença, eles cobraram o valor de R$ 20 mil, que foi pago, segundo a investigação.
Após os supostos rituais, os homens afirmaram que a causa do problema de saúde seria uma panela de ouro enterrada na propriedade, que deveria ser removida para liberar a família de "maldições". Os criminosos pediram mais R$ 60 mil para alugar uma retroescavadeira, retirar a panela das terras do casal e "quebrar" o trabalho espiritual lançado na filha.
Na ocasião, a dupla também se ofereceu para benzer uma arma do casal, que foi levada e não foi devolvida.
— Depois disso, os criminosos não aparecem mais na casa. Quando o valor de R$ 60 mil foi cobrado, as vítimas comentaram sobre o caso com vizinhos e pessoas próximas e foram alertadas de que se tratava de um golpe. Decidiram procurar a polícia. Esse grupo oferece, digamos, trabalhos espirituais, curas. Quem pratica esse tipo de golpe sabe identificar a fragilidade da pessoa, encontra algo em que ela acredita. Muitas vezes, a própria vítima acaba passando informações, comenta de um familiar que está com problema de saúde, e o criminoso passa a explorar isso para obter lucro — explica Faturi.
O caso em Rio Pardo foi registrado em julho e segue sendo investigado. Conforme a polícia, há registros também em municípios como Ijuí, Palmeira das Missões, Tenente Portela, Porto Xavier, Pelotas, Jaguarão e Santa Cruz do Sul. O tipo de ocorrência é variado, indo de furto, ameaça e crime de trânsito até estelionato e curandeirismo. A polícia pretende confirmar se o mesmo grupo é responsável pelos crimes.
Ao menos oito pessoas foram identificadas — incluindo duas crianças — e três são investigadas. Segundo a investigação, a família vive montando acampamentos em diferentes cidades e mudando de local com frequência. Eles circulam também por outros Estados, segundo os registros encontrados pela investigação. Segundo a polícia, alguns aspectos indicam o poder aquisitivo do grupo: mesmo sem carteira de habilitação, eles possuem carros e ao menos uma caminhonete. Além disso, a arcada dentária superior dos integrantes da família é composta por dentes de ouro.
Perseguição e prisão em flagrante
No dia 26 de setembro, em uma operação da polícia, um integrante do bando foi preso em flagrante por charlatanismo, estelionato e constrangimento ilegal. Ele foi liberado pela Justiça no dia seguinte.
Conforme a delegada de Encruzilhada do Sul, Fernanda Amorim, a operação foi organizada depois que a equipe do município foi acionada por um idoso que desconfiou do grupo.
Na delegacia, o homem relatou que foi procurado por dois homens que lhe ofereceram um chá supostamente milagroso. O produto foi adquirido por ele pelo valor de R$ 220. Depois, a dupla teria afirmado que o homem sofria de uma doença e que, para curá-lo, seria necessário um trabalho espiritual.
— Eles pediram a quantia de R$ 5 mil, mas a vítima afirmou que só tinha R$ 4 mil, valor que foi aceito. A partir disso, eles marcaram encontro em uma agência bancária para fazer o saque do dinheiro. Só que, um pouco antes da data marcada, a vítima começou a desconfiar e nos procurou — conta a delegada Fernanda.
O estelionato pode ser tão cruel quanto um homicídio, pelo que faz com as pessoas, as marcas que deixa.
FERNANDA AMORIM
DELEGADA DE ENCRUZILHADA DO SUL
No dia do saque dos R$ 4 mil, um homem esperava a vítima na porta da agência, segundo a delegada. Ao perceber a presença da polícia, o homem entrou em um carro e tentou fugir do local, mas as equipes perseguiram o veículo e efetuaram a prisão em flagrante, algumas quadras depois. Em depoimento, segundo Fernanda, o homem negou que estava no local para efetuar saque.
Segundo a delegada, o grupo busca principalmente pessoas idosas, que seriam mais vulneráveis.
— No caso desse senhor, se trata de alguém com idade avançada, de pouca instrução, que mora no Estado mas nasceu em outro país, que mal fala português. Um pessoa muito humilde, que tem esse dinheiro porque economizou a vida inteira, com muito trabalho. Para ele, essa quantia é uma fortuna — destaca Fernanda. — Muitas pessoas acreditam que esse tipo de golpe pode parecer algo difícil de funcionar, mas tem gente que é mais vulnerável por algum motivo e acaba acreditando. Mexe com o medo da pessoa. O estelionato pode ser tão cruel quanto um homicídio, pelo que faz com as pessoas, as marcas que deixa — completa.
Segundo a delegada, o chá que foi comprado pelo idoso foi encaminhado para perícia.
— Eles fazem procedimentos com um copo d'água, colocam corante vermelho e dizem que representa o sangue, que com aquilo irão limpar as patologias, doenças que as pessoas têm, prometendo cura. Os chás são cascas de árvore que eles pegam, secam e depois vendem como se fossem milagrosos. Eles dizem que sempre fizeram isso, que é parte da cultura deles e que não obrigam ninguém a comprar. É uma modalidade de estelionato, o estelionato religioso, charlatanismo.
A Polícia Civil acredita que exista subnotificação de casos. Alguns pessoas teriam comprado os chás e os trabalhos do grupo, mas, por vergonha ou desconhecimento, não fizeram registro na delegacia.
As equipes orientam que denúncias podem ser feitas, de forma anônima, pelo WhatsApp da Polícia Civil, no telefone (51) 9.8444-0606.
Contraponto
De acordo com o advogado Tulio Abreu de Souza, que atende o homem preso no último dia 26, a defesa irá se manifestar apenas se for aberto processo:
— Até o momento, o que se tem é uma investigação. Não há nenhuma prova de que esses casos de fato ocorreram, são suposições. Se houver denúncia (por parte do Ministério Público) e for aberto processo na Justiça, nós iremos nos manifestar.
Os nomes do homem preso e dos demais investigados não foram divulgado pela polícia, em respeito à lei de Abuso de Autoridade.