Nos últimos quatro meses, Maria Josiane Barcelos, 43 anos, tentava recomeçar a vida, após encerrar um relacionamento de 26 anos. Na manhã de sábado (23), havia ido a um salão de beleza, em Igrejinha, no Vale do Paranhana, fazer as unhas, quando o local foi invadido pelo ex-marido. Segundo a polícia, a vítima ainda tentou se refugiar em um banheiro, mas foi atacada com uma faca. Mãe de dois filhos, a professora de uma creche do município de 30 mil habitantes não resistiu aos ferimentos.
No momento do crime, além de Maria Josiane e da proprietária do salão, havia também outra mulher aguardando para ser atendida. A dona do estabelecimento foi ouvida nesta terça-feira (26) pela Polícia Civil. O depoimento dela era considerado importante, por ser uma das testemunhas do crime. A mulher narrou ao delegado Ivanir Caliari que havia terminado de atender a cliente, quando ela percebeu pela vitrine da loja que o ex-marido, Gilmar Vasen, 47 anos, passava em frente ao local de carro.
— Meu Deus do céu. Olha quem está passando ali — teria dito a vítima, antes de ver o veículo retornando.
A polícia acredita que o ex-marido identificou que a mulher estava no local porque a motocicleta dela estava estacionada em frente ao salão. Por isso, voltou até o estabelecimento. Na sequência, ele chegou na porta e tentou entrar. A proprietária contou que ainda quis impedir o ingresso dele, enquanto Maria Josiane se refugiou no banheiro.
— Ele disse que só queria conversar com ela. Disse isso calmamente. Em seguida, empurrou a porta e partiu em direção ao banheiro, onde conseguiu abrir a porta — explica o delegado Caliari.
Ao perceber que a vítima gritava por socorro, a dona do salão tentou intervir e segurou o agressor pelo braço, mas foi empurrada para longe. O homem esfaqueou a mulher no abdômen, e deixou o salão de beleza enquanto as duas socorreram ela até o hospital do município. A professora chegou a ser atendida, mas foi transferida para o Hospital de Pronto Socorro de Canoas, onde não resistiu e morreu por volta das 23h de sábado.
Relacionamento abusivo
Os depoimentos colhidos pela polícia até o momento indicam que a professora vivia uma relação abusiva há mais de duas décadas. Em 1997, ela chegou a fazer um registro contra o companheiro, no qual afirmava ter sido agredida e informava que aquela não era a primeira vez que isso acontecia. No entanto, depois daquele registro, os dois seguiram no relacionamento e ela não fez mais nenhuma comunicação à polícia. Maria Josiane não chegou a ter medida protetiva.
— Segundo os relatos que ouvimos, era uma relação muito abusiva. Era um homem controlador. Não era qualquer emprego que ele aceitava que ela tivesse. Não deixava ir a determinados locais. Cercava de todas as formas. Há quatro meses, ela havia se separado e ele não aceitava. Vivia perseguindo — afirma o delegado.
Testemunhas ouvidas pela polícia relataram que Maria Josiane optou por não registrar ocorrência porque acreditava que o ex-marido iria aceitar assinar o divórcio em breve. Por isso, tentava resolver a situação sem buscar ajuda das autoridades.
— Ele enviava muitas mensagens. Em alguns momentos, pedindo para que ela retornasse, prometendo que ele ia melhorar, e em outros, quando ela se recusava a voltar, passava a ofendê-la, e dizia que ela iria se arrepender. Mas a vítima não queria registrar, com esperança que ele acabaria concordando com a situação. Ela estava tentando resolver da forma mais amigável possível e, infelizmente, acabou desta forma. A perseguição que ele fazia, a perturbação, poderiam ter sido registradas — explica o delegado.
O ex-marido da vítima, que foi atropelado por um caminhão no domingo em Novo Hamburgo, na BR-116, segue hospitalizado. A suspeita é de que ele tenha tentado tirar a própria vida. A polícia já havia obtido a prisão preventiva dele, pelo feminicídio. Ele está internado, sob custódia. O veículo dele, que teria sido usado no crime, foi apreendido em Três Coroas.
Nos próximos dias, a polícia pretende ouvir familiares da vítima para obter mais detalhes sobre como era a relação dos dois e a motivação do crime. O caso gerou comoção no município. Moradores depositaram flores em frente ao salão onde aconteceu o crime. Na porta, foi estendida uma faixa preta, em sinal de luto. O velório da vítima foi realizado em Igrejinha, e o sepultamento, em Rolante, na manhã de segunda-feira. Maria Josiane deixa ainda dois filhos, que teve com o ex-marido, uma adolescente de 17 anos e um jovem de 19, que residiam com ela em Igrejinha.
Contraponto
Segundo a Polícia Civil, o suspeito ainda não possui advogado constituído e não pode ser ouvido porque sofreu traumatismo craniano e segue hospitalizado, em estado grave.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.
Procure ajuda
Caso você esteja enfrentando alguma situação de sofrimento intenso ou pensando em cometer suicídio, pode buscar ajuda para superar este momento de dor. Lembre-se de que o desamparo e a desesperança são condições que podem ser modificadas e que outras pessoas já enfrentaram circunstâncias semelhantes.
Se não estiver confortável em falar sobre o que sente com alguém de seu círculo próximo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. O CVV (cvv.org.br) conta com mais de 4 mil voluntários e atende mais de 3 milhões de pessoas anualmente. O serviço funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados), pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil (confira os endereços neste link).
Você também pode buscar atendimento na Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa, pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no telefone 192, ou em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado. A lista com os endereços dos CAPS do Rio Grande do Sul está neste link.