Depois de quatro indiciamentos pela Polícia Civil, Guilherme Selister, 27 anos, foi denunciado pelo Ministério Público pelo crime de estelionato. Ele é denunciado por usar redes sociais para conquistar mulheres no Rio Grande do Sul e obter vantagens financeiras. Os casos de mulheres que se dizem vítimas aumentaram após reportagem em 28 de março, quando ele também mudou o nome da sua conta no Instagram para “guilhermegalante01”. Nove procuraram GZH para relatar suas rotinas de ameaças, pressão psicológica e prejuízos financeiros.
A denúncia, resultante de inquérito com indiciamento após investigação do delegado Éderson Bilhan, foi protocolada pela Promotoria de Farroupilha. O juiz do processo agora decide se recebe ou não a acusação. Em caso de condenação, a pena varia entre um e cinco anos de prisão.
A reportagem de GZH conversou com a vítima no caso que resultou nesta denúncia. Ela pediu para não ser identificada e contou que conheceu Selister em novembro de 2019, por meio do aplicativo Instagram. A mulher relatou que ele aparentava ter boa condição financeira e dizia atuar como nutricionista em dois hospitais. Também afirmou ter o próprio consultório e apartamento. Ele teria adquirido os bens a partir de uma carreira como tenente na Marinha.
— Após iniciarmos uma relação, ele abriu histórias da sua vida pessoal, dizendo que não aguentou ficar na Marinha devido aos traumas e lesões que sofreu nesse período. E que uma dessas lesões era muito delicada. Que tinha sofrido na cabeça, que acabou criando um coágulo no cérebro e precisava fazer cirurgia o quanto antes — relatou a vítima.
Aí começaria o golpe, no qual a mulher diz ter perdido R$ 70 mil. Nas semanas seguintes ao início do relacionamento, uma pessoa que se apresentou como neurologista de Selister chamou a vítima no WhatsApp para passar informações acerca do suposto quadro clínico dele, confirmando a necessidade de cirurgia de emergência para remover um coágulo no cérebro.
O suposto médico teria argumentado que, como Selister não tinha relação com a família, precisava contar com a nova companheira para incentivá-lo a cuidar da saúde. Ele teria pedido sigilo das conversas, alegando que o paciente não aprovaria esse contato.
— A partir dessa conversa, abracei a causa e comecei a me preocupar mais sobre a saúde dele e, aos poucos, ele foi abrindo acontecimentos da sua vida e passagem pela Marinha, que até então eu não tinha conhecimento — lembrou a vítima.
GZH viu as fotos que Selister teria enviado para a mulher de supostos sangramentos no nariz e nos ouvidos causados pela dita pressão intracraniana, tentando impressioná-la para que ela liberasse mais dinheiro para o tratamento.
Os pedidos de dinheiro
Conforme a vítima ouvida pela reportagem, Selister dizia que a Marinha pagaria 40% do custo da cirurgia e que o restante teria de ser pago por ele. O procedimento custaria R$ 90 mil. O suspeito ainda dizia ter processado a Marinha para conseguir o valor integral da cirurgia, mas alegava que o processo exigia que ele pagasse todo o valor e depois pedisse reembolso. Ele afirmava possuir R$ 60 mil e ter feito um empréstimo. Mesmo assim, faltariam R$ 8 mil, quantia que a vítima teria repassado ao denunciado.
Em meio a estes relatos, mais uma pessoa contatou a vítima. Alguém que se identificou como coronel da Marinha confirmou a versão de que Selister teria indenização a receber da corporação. Um detalhe: a Marinha sequer possui a patente de coronel entre seus postos e graduações.
— Ele dizia que não tinha recursos financeiros até o pagamento do processo, porque o consultório dele estava fechado devido à pandemia. Também que tinha sido desligado de um dos hospitais e precisava fazer alguns procedimentos para diminuir a pressão intracraniana para estar apto para o procedimento cirúrgico — recordou a vítima.
A mulher, então, passou a bancar todos esses supostos procedimentos, que aconteciam quase que semanalmente. Também pagava por medicações de que o homem alegava necessitar.
— Utilizei todo o meu recurso financeiro, fiz empréstimo e pedi emprestado para que ele não ficasse sem o tratamento. Chegou ao ponto de não ter mais nenhum tipo de recurso para dispor e ainda faltava um mês para ele receber o valor do processo — relatou.
Também para ganhar confiança da vítima, Selister teria mostrado um documento indicando que teria R$ 140 mil a receber a título de indenização. A falsificação é grosseira. O papel traz o símbolo e a identificação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas diz que a decisão foi tomada por dois juízes federais. Outro erro facilmente percebido é a citação a um "juiz desembarcador oficial" e não "desembargador", como é a grafia certa. Foram citados nomes de magistrados que realmente existem.
Além disso, o suposto documento fala em indenização trabalhista paga pela Marinha. No entanto, o julgamento de um caso de direito administrativo envolvendo a Força Armada caberia à Justiça Federal.
Em nota, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio do Núcleo de Inteligência do Judiciário (NIJ/TJRS), informa que "o documento em questão trata-se de falsificação grotesca dos registros oficiais emitidos pelo Poder Judiciário Estadual".
Na nota, o TJ-RS ainda lamenta "que este tipo de golpe se valha da imagem da instituição, bem como da utilização de nomes de magistrados reais, com a intenção de alcançar êxito na aplicação de fraudes. E alerta para que toda e qualquer pessoa que receba aviso sobre supostos valores a receber, procure o seu Advogado ou faça contato direto com o próprio Poder Judiciário para se certificar da veracidade das informações".
Ainda conforme a vítima, quando o dinheiro acabou, o suspeito arrumou desculpas para terminar a relação.
Nos aplicativos de relacionamento, o denunciado cita na sua identificação “Medicina” e “UCS”, em referência à Universidade de Caxias do Sul. Segundo a instituição, Selister nunca foi aluno do curso de Medicina da universidade.
A vítima acredita que os contatos que recebeu, dos supostos médico e coronel, foram todos feitos pelo próprio Selister.
Investigações
Farroupilha
Selister foi denunciado pelo Ministério Público por estelionato por suspeita de aplicar golpe de R$ 70 mil em uma mulher.
Caxias do Sul
Selister foi indiciado por estelionato por suspeita de lesar em R$ 85 mil um casal sócio de uma academia. Ministério Público não pôde dar andamento, porque as vítimas decidiram não representar criminalmente contra ele.
Foi indiciado por estelionato por suspeita de aplicar golpe de R$ 70 mil em uma mulher com quem teve relacionamento. O inquérito foi remetido ao Judiciário.
É investigado por suspeita de aplicar um golpe de R$ 15 mil numa mulher com quem teve relacionamento. O inquérito deve ser remetido em 30 dias ao Judiciário.
Interior
Foi indiciado por estelionato por suspeita de aplicar golpe de R$ 90 mil em uma mulher com quem teve relacionamento. O inquérito foi remetido ao Judiciário.
Um boletim de ocorrência foi registrado por uma mulher que diz ter perdido R$ 48 mil em um golpe aplicado por Selister. A Polícia Civil não informa o município, por ser cidade pequena e haver risco de exposição da vítima. Conforme o relato, ele pediu o dinheiro para abrir uma clínica de Nutrição, o que nunca aconteceu, e o relacionamento terminou sem que ele pagasse o que havia pedido emprestado. Suspeito e vítima se conheceram por meio de um aplicativo de relacionamento. Neste caso, a mulher decidiu não representar criminalmente contra ele, o que impede a Polícia Civil de seguir com a investigação.
Contraponto
O que diz a defesa de Guilherme Selister
GZH entrou em contato com o advogado de Selister, Marcos Peroto, que disse que o denunciado vai se manifestar no processo, quando citado.