A Justiça determinou a instauração de um procedimento para apurar se o homem de 26 anos investigado por asfixiar a namorada em uma rua em Santa Maria, na Região Central, tinha capacidade ou não de entender que praticava um crime naquele momento. De acordo com a Defensoria Pública do Estado, que representa o homem, um laudo constatou que ele sofre de transtorno esquizofrênico e seria "incapaz de entender o caráter ilícito" do ato.
Na decisão judicial, proferida pelo magistrado Ulysses Fonseca Louzada no dia 3, foi aceita a denúncia oferecida pelo Ministério Público e o homem virou réu por homicídio triplamente qualificado de Luanne Garcez da Silva, 27 anos — com as qualificadoras de feminicídio, motivo torpe e asfixia. O nome do acusado não foi divulgado.
Dessa forma, o processo segue regularmente pelo rito do tribunal do júri (competente para julgar crimes dolosos contra a vida). O procedimento para apurar se o acusado seria inimputável — chamado incidente de insanidade mental — funciona como um processo anexo ao caso, que depois é juntado à ação principal.
Se for considerado inimputável, o homem deve cumprir uma medida de segurança, por meio da internação em um manicômio judiciário, e não uma pena privativa de liberdade. Ao longo do processo — que ainda está em fase inicial — será definido se o homem irá ou não a juri.
O caso ocorreu no dia 10 de abril, no bairro Itararé, quando Luanne foi asfixiada e morta em via pública pelo namorado. O casal estava junto desde janeiro e havia noivado em março. O acusado foi preso logo após a morte de Luanne, no local do crime. Ele se encontra recolhido provisoriamente no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), em Porto Alegre.
Homem teria transtorno esquizofrênico
De acordo com a Defensoria Pública, um laudo médico realizado por um psiquiatra forense do IPF, que foi juntado ao processo, constatou que o homem sofre de transtorno esquizofrênico do tipo paranoide, que se caracteriza por "apresentar sintomas positivos como delírios e alucinações visuais e auditivas". O documento data de 28 de abril. A condição teria sido desenvolvida após um acidente de moto, em 2018, segundo a família do homem.
Segundo a defensora pública de Santa Maria responsável pelo caso, Valéria Brondani, o acusado já havia sido internado em seis oportunidades, fazia acompanhamento psiquiátrico e uso de remédios para a condição. Recentemente, ele teria feito ajustes na medicação. As duas últimas internações ocorreram em dezembro do ano passado e em fevereiro de 2022 em um hospital psiquiátrico do município, e duraram cerca de um mês cada uma.
Conforme o laudo pericial, o réu também fazia uso de drogas. Segundo o documento, "na prática psiquiátrica, não é raro encontrar esquizofrênicos" que utilizam as substâncias como forma de "conter a fragmentação mental que a sua enfermidade básica provoca". No entanto, o uso pode afetar o tratamento.
O laudo conclui que o homem deve ser considerado "totalmente inimputável para a ação delituosa". No momento do crime, afirma Valéria, ele não tinha capacidade de entender o caráter ilícito do ato. Para ela, o caso não configura feminicídio:
— Se trata de uma tragédia absurda e muito triste. A dor da família da jovem deve ser respeitada. Mas o caso não se trata de feminicídio. Essa investigação policial foi conduzida com base em avaliações subjetivas. O diagnóstico de esquizofrenia não surgiu agora, é uma condição que ele enfrenta há alguns anos, atestada por quem tem conhecimento para isso. Infelizmente, nem todo mundo entende a gravidade dessa doença. Em conversas do casal, ele falava sobre as vozes que ouvia, que afirmavam que a namorada o estaria traindo. Ele dizia que tinha medo de fazer algo contra ela, é possível ver que estava transtornado.
MP pretende ouvir testemunhas
Conforme o Ministério Público (MP), as testemunhas do caso devem ser ouvidas ao longo do processo. O relato delas deve ser comparado com o que foi apontado pelo laudo do homem, para verificar se a condição de saúde do réu foi determinante ou não para a prática do crime. O perito responsável pelo documento também pode ser ouvido na ação.
— O laudo precisa ser cortejado com a prova testemunhal. Eventualmente, se a prova demonstrar que o laudo não está correto, que ele não se aplica ao processo, ele pode ser afastado. Pretendemos ouvir as testemunhas para entender de forma mais aprofundada se realmente aquelas circunstâncias apontadas no laudo influenciaram na prática do delito — explica o promotor de Justiça de Santa Maria, Diego Corrêa de Barros.
O Ministério Público afirmou também que irá avaliar a necessidade de solicitar outros laudos.
A advogada Andyara Ludovico, que representa a família de Luanne, também irá atuar no caso e se manifestou por meio de nota, na qual afirma que "nossa busca pela devida responsabilização do acusado será incansável".
"Em relação à influência das condições psíquicas do réu no cometimento do crime, esta bancada se limita a elencar que todas as circunstâncias serão devidamente apuradas e discutidas durante a instrução criminal, fase destinada à produção de provas no processo", diz trecho da nota.
Delegada diz que réu estava lúcido
Responsável pelo caso, a delegada Elizabete Shimomura, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Santa Maria, afirma que o homem estava medicado no dia do crime e, portanto, estaria consciente.
Segundo a delegada, o homem teria forjado um latrocínio após a morte de Luanne, na tentativa de ocultar a autoria do crime. Imagens de câmeras de segurança mostram o momento em que ele se afasta do local com a bolsa da jovem, retornando depois sem o objeto, como se ele tivesse sido roubado.
Horas antes da morte, Luanne e o namorado se reuniram com familiares da jovem para comemorar o aniversário dela, que tinha ocorrido alguns dias antes. A festa era também para uma das irmãs da vítima. Após a janta, o casal saiu do local e Luanne foi morta pouco depois.
— Não há dúvidas de que ele estava consciente, tanto que tenta forjar um latrocínio. Ele também simulou massagem cardíaca na vítima quando viu que as equipes do Samu e da polícia estavam chegando ao local do crime, porque pouco antes ele havia afirmado a testemunhas que não adiantava tentar reanimá-la, pois ela já estava em óbito. O relato das duas famílias também indica que eles passaram o dia bem, junto de parentes, e que ele estava medicado — diz a delegada, em uma versão que é contestada pela defensoria.
O casal estava junto desde o começo do ano, e recentemente Luanne havia se mudado e estava morando com o homem e os pais dele. Segundo a polícia, não havia registros anteriores de violência por parte da jovem contra o homem.