A entrega de 41 viaturas semiblindadas para a Polícia Civil, na última terça-feira (5), gerou alguns descontentamentos entre agentes da área de segurança, principalmente em relação aos que atuam em áreas mais perigosas e com maior índice de criminalidade. Do total de veículos, 29 foram para cidades pequenas e sem grandes ocorrências criminais.
De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), o critério utilizado foi o sucateamento das viaturas em circulação. A partir desse critério, deputados federais decidiram quais municípios seriam contemplados, já que a verba foi obtida através de emendas parlamentares da bancada gaúcha no Congresso Nacional. A escolha foi feita a partir de uma lista elaborada pelo Estado com cerca de 200 cidades com viaturas em circulação há mais de 10 anos.
Em alguns grupos fechados no WhatsApp ou em contato com GZH, policiais — que preferem não ser identificados, demonstraram contrariedade pela escolha de municípios como Ajuricaba e Eugênio de Castro, com poucos habitantes e delitos, enquanto cidades maiores, como Caxias do Sul, Bento Gonçalves e São Leopoldo, não foram contempladas. Veja aqui os locais que receberam os veículos.
As viaturas semiblindadas são do modelo Renault Duster e contam com a proteção balística do nível III-A, que resiste a disparos de armas de mão como pistola .40 e 9mm. Em caso de tiroteio, as portas podem ser utilizadas como escudo.
Em resposta, a SSP afirma que existe um planejamento de reposição dentro da Polícia Civil, e que o critério adotado desta vez foi o sucateamento. Em novembro de 2019, por exemplo, o programa RS Seguro contemplou 47 pequenos municípios com viaturas destinadas à Brigada Militar. Na ocasião, eram cidades que não tinham veículos suficientes ou que apenas recebiam carros que eram descartados depois de muito tempo de uso em outras regiões.
A pasta também informou que serão entregues mais 73 viaturas semiblindadas até o mês que vem. Os veículos irão para Brigada Militar e Polícia Civil na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Entidades
Entidades de classe da Polícia Civil não discordaram das regras adotadas, mas fizeram ponderações sobre a escolha. O presidente da Ugeirm Sindicato, que representa os agentes da corporação, Isaac Ortiz, compreende a forma como os locais foram escolhidos. Ele avalia que os parlamentares tentam contemplar locais com base eleitoral, mas, ainda assim, há critérios técnicos.
— Não posso escolher entre a vida de um policial de Ajuricaba e outro de Porto Alegre. Os dois têm as mesmas prioridades e direitos e precisam de segurança para dar a segurança. Agora, porque um policial de Ajuricaba recebe uma viatura e um do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) não recebe, é outra questão. É outra discussão. Mas, como diz o governo, tem um critério adotado. Mas compreendo e aprovo a entrega destas viaturas para as 45 cidades escolhidas — explica Ortiz.
Escolha
O investimento total foi de R$ 6,1 milhões, a partir de recursos de uma emenda da bancada gaúcha no Congresso. Os 31 deputados e três senadores do Rio Grande do Sul indicaram quatro municípios de sua preferência para o recebimento das viaturas, em uma lista que prevê a compra de 136 viaturas. Além das 41 liberadas para a Polícia Civil neste momento (outras quatro tiveram o destino definido pela SSP), há outros 94 veículos que serão custeados para a Brigada Militar (BM), mas sem prazo definido.
A forma de divisão não desagradou apenas a policiais civis de cidades não contempladas. Deputados federais também reclamaram que indicaram cidades, mas acabaram ficando de fora da lista de contemplados, apesar da promessa de terem as preferências atendidas quando houver liberação de valores para a compra das viaturas da BM.
As críticas recaíram sobre o coordenador da bancada gaúcha no Congresso, Giovani Cherini (PL), responsável pela interlocução com o governo gaúcho.
— Indiquei quatro municípios. Avisei prefeitos e vereadores. Chegou na hora da entrega, nenhuma foi contemplada. Ele (Cherini) disse que as quatro (viaturas) ficaram para outra rodada de entrega — relata o deputado Pompeo de Mattos (PDT).
Outros quatro parlamentares ouvidos pela reportagem também demonstraram insatisfação com a distribuição. Apenas o deputado Alceu Moreira (MDB), também não contemplado, disse não ver problemas com os critérios, destacando que irá indicar municípios quando houver nova compra de veículos com emendas da bancada.
Ao analisar a lista, é possível conferir que a lista de cidades contempladas conta com indicações de deputados e senadores de todos os matizes políticos.
A reportagem tentou contato diretamente com o deputado Giovani e através de sua assessoria, mas não obteve retorno do parlamentar.
Emendas parlamentares
Emendas parlamentares são investimentos indicados por deputados e senadores com execução obrigatória pelo governo federal, conforme a evolução do Orçamento anual. Em geral, parlamentares destinam os valores para intervenções em seus redutos eleitorais.
O instrumento recebe críticas de quem vê as emendas como um trunfo para negociações de projetos de interesse do Palácio do Planalto. Apesar do caráter impositivo, a União pode priorizar o pagamento de algumas em detrimento de outras. O expediente foi utilizado, por exemplo, na aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso, em 2019.
Também há ressalvas por ser recursos federais de uso livre por parte do Congresso, enquanto o governo federal enfrenta grave crise financeira e possui espaço reduzido para investimentos em obras estruturais.