Por Nina Fola
Artivista, socióloga e doutoranda em Sociologia UFRGS, membra dos Coletivos Atinuke, Africanamente e AfroEntes
Há uma tradição em linchar nossos corpos, em demonstrar, num corpo preto exemplar, para toda a sua comunidade, que não podemos NADA e que devemos só obedecer! De Zumbi, passando por Marielle e pelo Nego Beto, estamos cotidianamente sendo relembradas e relembrados disso. Por isso a morte de um sempre dói em todas e em todos nós.
Porto Alegre, que indicou, por meio do Poeta Oliveira Silveira e o Grupo Palmares, a importância do dia 20 de novembro, é a mesma Porto Alegre que ainda não assume este dia como feriado, mas que acabou de eleger uma bancada jovem, feminina e negra de vereadores. E que amanhece com mais um assassinato corretivo para a negrada. Talvez o Estado, no processo, argumente que se trate de um homicídio culposo, como foi o de Gustavo Amaral, confundido com bandidos, mesmo vestido com uniforme e crachá da empresa em horário de trabalho, isentando mais uma vez os agressores, ou assuma que seja o caso do homem errado como o de Júlio César.
A casa grande, hoje um supermercado multinacional, faz a mesma tortura corretiva de um de nós para tentar nos calar neste dia de Zumbi. Nada justifica este assassinato que não seja o racismo, que acarreta na falta de importância sobre nossas vidas, na raiva que os racistas sentem de nós circulando ou fazendo coisas iguais a eles e na naturalização de nossas mortes, de nosso constante LUTO. Tão constante que se tornou verbo e em LUTA e, ao invés de rememorar Zumbi: hoje lutamos, gritando mais uma vez contra a INJUSTIÇA a que somos acometidas e acometidos diariamente.
Não me venham com argumentos pactuados da branquitude, tais como despreparo dos profissionais de segurança ou que ele devia ter dado motivos para ser morto; ou aquele do dia da consciência humana ou até mesmo que o racismo não existe e que todas as vidas importam.
Não há instituição no Brasil que não seja racista, porque guarda na sua memória colonial a lembrança de que nós negras e negros existimos para servir a casa grande até a nossa última gota de leite e de sangue. Outro dia, uma grande empresária quis promover possibilidades de ascensão para negros e negras através de cotas e foi repudiada pela burguesia branca que nunca quer perder nem um fio de privilégio. Também um mal-sucedido candidato à prefeitura de Porto Alegre, indignado com a resposta do povo nas urnas, justifica que o movimento de esquerda criou uma "ocupação" nas universidades, criando ideias e responsabilizando de que seria possível a conquista de nossa cidadania plena, que ainda não chegou. Dois fatos que por si são autoexplicativos do que descrevo aqui. E estas palavras não são somente minhas, são constituídas por estes anos de vivência num corpo preto, em movimentos, em diálogos, em coletivo. Ironicamente, meu corpo ainda não experenciou surras e nem em mortes, ohhh sorte!
Não há instituição no Brasil que não seja racista, porque guarda na sua memória colonial a lembrança de que nós negras e negros existimos para servir a casa grande até a nossa última gota de leite e de sangue.
Todos os dias, não nos querem estudando, não nos querem legislando, não nos querem gerenciando lojas, não nos querem...VIVAS E VIVOS!
E nós, o que queremos? Queremos existir, criar nossos filhos, reunir com nossa família, ir no supermercado, tocar nosso tambor, rezar, ué! Ser gente como todas as outras, sem brincar com a sorte.
Hoje, 20 de novembro, neste dia de sol, que se fosse feriado seria perfeito, poderíamos comemorar a conquista da bancada negra, que lutará pela lei do feriado, mas a violência racial não nos deixa esquecer que não temos segurança ou sorte de poder circular e existir e o que nos resta é lutar e gritar!
PAREM DE NOS MATAR!
Viva Zumbi! Viva Dandara!