Os assassinatos de pessoas negras no Brasil apresentaram crescimento de 11,5% entre 2008 e 2018, enquanto os das demais tiveram redução no período. Da mesma forma, o Rio Grande do Sul também teve aumento na taxa de vítimas de homicídio negras de 2,4%, no comparativo da década. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (27) no Atlas da Violência, estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O levantamento usa dados computados pelo Ministério da Saúde em todos os Estados para entender o perfil das vítimas de assassinatos no país. A taxa de mortes de negros no Brasil em 2018 chegou a 37,8 por 100 mil habitantes — enquanto em 2008 era de 34. Já o grupo de não negros (que reúne branco, amarelos e indígenas) teve diminuição de 12,9% com taxa que passou de 15,9 para 13,9. No Rio Grande do Sul, a taxa de pessoas negras assassinadas passou de 27,7 para 28,4 na década. Enquanto isso, a de não negros foi de 20,3 para 22,2 —aumento de 9,4%.
— Ainda somos produto de processo histórico de escravidão e racismo estrutural em que a violência caracteriza as relações sociais. Aqui, há ideia do "negro perigoso" que se reflete em diferentes patamares de uso da força entre negros e não negros. Temos muito a caminhar para entrar num processo civilizatório mínimo — avaliou Daniel Cerqueira, economista do Ipea, que coordena o Atlas.
Em número absolutos, no país, o número de mortes de pessoas negras cresceu continuamente de 2008 até 2017 e apresentou queda em 2018, ano mais recente avaliado. Ainda assim, a quantidade de vítimas em 2018 (43,8 mil) é 34% maior na comparação com 2008. O RS também apresentou aumento nos homicídios para pessoas negras — na comparação da década, houve elevação de 42,9% — passou de 471 assassinatos para 673. Nos mesmos 10 anos, os casos de pessoas não negras assassinadas no Estado também cresceu, mas em menor escala: 6,2% — de 1.869 para 1.987.
Em quase todos os Estados brasileiros, um negro tem mais chance de ser assassinado do que outra pessoa, com a exceção do Paraná, que apresentou em 2018 taxa de homicídios de não negros superior à de negros. Quando o assunto é vulnerabilidade à violência, na análise dos especialistas, negros e não negros vivem realidades distintas dentro do mesmo território. Em Alagoas, no Nordeste, por exemplo, a taxa de homicídio de negros é 17,2 vezes maior do que a de não negros — no RS, é 1,3 vez superior. Os especialistas veem aprofundamento das disparidades raciais que aumentam o risco de assassinato contra pessoas negras no Brasil.
— As políticas têm sido minimamente capazes de proteger a vida de não negros, mas a disparidade é tamanha com os dados de vítimas negras que é como se estivéssemos falando de países diferentes — analisou a diretora-executiva do Fórum da Segurança Pública, Samira Bueno.
Ela ressaltou o fato de que no Brasil ainda há um esforço para que o tema adquira protagonismo, enquanto o assunto tem mobilizado grandes manifestações nos Estados Unidos, por exemplo. A morte de George Floyd por policiais desencadeou, em maio, protestos em dezenas de cidades americanas. Agora, o país assiste a novo episódio violento, com o caso de Jacob Blake, que levou atletas da NBA a boicotarem atividades nesta semana em reação ao caso.
O Atlas trouxe os dados de homicídios e apontou que 2018 teve o menor número desde 2015 — com 57.956 assassinatos. Em quase todos os Estados houve queda nas taxas por 100 mil habitantes em comparação com 2017, com exceção de Roraima (alta de 51,3%), Amapá (7%) e Tocantins (2%). Do total das vítimas de homicídio em 2018, 75,7% eram negros.
O estudo apontou que, no país, os homicídios são a principal causa de mortalidade de jovens (entre 15 a 29 anos). Foram 30.873 casos em 2018, o que representa 60,4 homicídios a cada 100 mil jovens e 53,3% do total de assassinatos do país. Os homicídios responderam por 48,4% dos óbitos de jovens.
O levantamento indicou que, em 2018, uma mulher foi assassinada no Brasil a cada duas horas, totalizando 4.519 vítimas. Do total, 30,4% teriam sido feminicídios, que são as mortes por gênero. No país, segundo o estudo, a cada seis horas uma mulher é morta em casa.