Em busca de um imóvel maior para a família, uma moradora de 28 anos de Porto Alegre pensou que havia encontrado o negócio ideal. Verônica (o nome é fictício para proteger a identidade) acabou se tornando vítima de um golpe e viu a casa nova se transformar em prejuízo e transtornos que tenta superar. Assim como ela, milhares de pessoas foram ludibriadas neste ano no Rio Grande do Sul. O Estado nunca havia registrado tantos estelionatos no primeiro semestre como em 2020. Foram 22.183 casos, ou seja, em média, um a cada 11 minutos.
— É horrível. Dá vontade de chorar, de morrer. Mas não pode. Tem outras pessoas que dependem de ti. Tem que ficar intacta, por fora. Mas é terrível. Não sabia mais em quem confiar — descreve.
Em junho, ela buscava na internet por casas no bairro Restinga, na zona sul da Capital, quando recebeu o contato da mulher que se identificava como corretora de imóveis. Apresentava-se como Giovanna e dizia trabalhar em imobiliária de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. Por WhatsApp, acertaram casas para visitar. Um dos imóveis, de R$ 120 mil, tinha o espaço e as condições de pagamento que Verônica buscava.
— Acertamos que eu daria entrada de R$ 10 mil e pagaria o resto parcelado. Pensei que estava fazendo um bom negócio — conta.
Verônica recebeu um falso contrato e recibo pelos R$ 2 mil entregues em mãos à estelionatária — única vez em que as duas se encontraram pessoalmente. Só não pagou o restante da entrada porque não conseguiu sacar o valor, mas acertou que repassaria na sequência. A falsa corretora informou a conta para a transferência.
A vítima foi até o imóvel, mas descobriu que as chaves não eram da casa. Enviou mensagem para quem acreditava ser o dono — o verdadeiro proprietário havia acompanhado a visita anterior, ludibriado pela golpista. Mas o contato que ele tinha, repassado pela falsa corretora, era de outra pessoa envolvida no esquema.
Por mensagem, fingindo ser o dono, a pessoa se desculpou e disse que as chaves eram da porta dos fundos, mas que levaria as corretas. O falso proprietário chegou a dizer que o pai havia falecido. Por isso, quem levaria as chaves seria a corretora.
Verônica fez contato com outra imobiliária, que havia anunciado a casa, para informar que havia comprado o imóvel. Foi quando descobriu que a moradia seguia à venda e decidiu registrar o caso pela Delegacia Online. Marcou encontro com a estelionatária, mas ela não apareceu e bloqueou o contato do telefone.
— O dono da casa apareceu e me explicou que era golpe. O número que ela tinha me passado não era dele. O contrato era falso. É um prejuízo, fora o tempo gasto. Ainda bem que não transferi o restante. Ou estaria pior hoje, tanto financeira quanto emocionalmente — relata.
A família segue em busca de outra casa. Como já venderam o apartamento onde moravam, caso não encontrem um imóvel para comprar até o fim deste mês, devem voltar para o aluguel.
O proprietário
O dono do imóvel, de 43 anos, que também preferiu não ser identificado, conta que fez o anúncio pela internet (Facebook e OLX). Depois disso, a falsa corretora entrou em contato e se ofereceu para auxiliar na venda. Também se apresentou como funcionária da imobiliária. Para confirmar, o dono ligou para o local, mas foi informado que a Giovanna estava em almoço. Pensou que estava tudo certo e seguiu a negociação. O que ele não sabia é que na imobiliária existe outra funcionária de mesmo nome.
No dia agendado para a visita na casa, a falsa corretora alegou que a filha havia adoecido. Sozinho, o proprietário mostrou o imóvel à família de Verônica. Dias depois, foi informado pela golpista que o negócio havia sido fechado e que a imobiliária pagaria o valor integral para ele. Por WhatsApp, recebeu comprovantes da transferência de R$ 120 mil. Mas o valor não aparecia na conta.
— Ela dava desculpas, dizia que era problema no banco. Marcamos duas ou três vezes e ela nunca apareceu — recorda.
Ao passar em frente à casa, ele viu que os portões tinham sido acorrentados e decidiu procurar a polícia. No mesmo dia, recebeu alerta de um corretor questionando se ele havia vendido a casa.
— Fui ligando tudo e percebi que era golpe. Usaram minha casa e meu nome para enganar essas pessoas — conta.
A imobiliária
Em contato com a imobiliária de Novo Hamburgo, o proprietário e a vítima souberam que por lá a estelionatária já é conhecida. Desde o mês passado, a coordenadora de vendas da imobiliária, que teve o nome usado pela mulher, recebeu cinco telefonemas de pessoas questionando se ela estava negociando casas em Porto Alegre, todas ela na Restinga. Entre elas, Verônica. Há 18 anos na área, a profissional fez dois boletins na polícia e denúncia no Conselho Regional de Corretores de imóveis do Rio Grande do Sul (Creci).
— Começou com uma senhora que contou que anunciou em um grupo do Facebook que tinha R$ 14 mil para dar entrada em uma casa. Estava indo entregar o valor e ligou para a imobiliária. Expliquei que não sou eu. Orientei ela que não se coloca em rede social que tem dinheiro. É muito arriscado. As situações estão acontecendo principalmente nesse bairro, Restinga, então o que precisamos é alertar as pessoas. Fiquei muito triste porque percebi que são pessoas carentes, muitas vezes é o dinheiro que juntaram na vida. Nunca imaginei passar por isso — relata a coordenadora de vendas, que pediu para ter o nome preservado.
A investigação
O caso de Verônica está sendo investigado pela 17ª Delegacia de Polícia, já que a entrega do dinheiro aconteceu no Centro, junto à agência da Caixa. Segundo o delegado Cleber Lima, a vítima será ouvida pessoalmente, porque o registro foi feito online, para obter mais detalhes sobre o golpe. Em Novo Hamburgo, os registros feitos pela coordenadora de vendas são investigados pela 3ª Delegacia de Polícia.