Ao ser procurado por uma pessoa que acreditava estar negociando um carro com ele, um advogado de Porto Alegre descobriu que estava tendo os dados usados por golpistas. O caso é um dos que aconteceram no Rio Grande do Sul neste ano. Desde que os registros são divulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP), em 2002, o Estado nunca teve tantos estelionatos nos primeiros seis meses como em 2020. Foram 22.183 casos no semestre — aumento de 74,2% em relação mesmo período do ano passado.
O advogado Felipe Silvello Goulart, 40 anos, estava em casa, trabalhando em home office, quando um rapaz lhe enviou uma mensagem na qual perguntava se ele estava comprando um Celta. Ele respondeu que não e descobriu que alguém havia usado seu nome e foto para criar uma conta nova no WhatsApp.
— Imagino que devem ter pego minhas fotos nas redes sociais, meu nome completo e essa pessoa se dizia advogado criminal (Silvello atua na área cível). Queriam encontrar esse rapaz, para negociar o carro. Resolvi postar nas redes sociais, para fazer alerta. É uma cópia grotesca, mas esse rapaz estava sofrendo um golpe — conta o advogado, que registrou o caso na Delegacia Online.
O alvo dos golpistas era um funcionário público, de 31 anos, de Novo Hamburgo, que estava vendendo o Celta. Para isso, anunciou na internet e foi contatado por WhatsApp pela pessoa que se passava pelo advogado.
— Era a foto do Felipe mesmo. Nos fundos, tinha letreiro do escritório de advocacia dele, bem convincente. No começo, cada dia me perguntava uma coisa, não parecia muito interessado. Demorou uma semana para ele querer fechar o negócio — conta.
O que fez o funcionário público decidir conferir as informações na internet e descobrir o verdadeiro telefone do advogado foi um pedido do comprador. Disse que outras pessoas iriam olhar o veículo e que o vendedor não deveria informar o preço verdadeiro do carro, anunciado por R$ 13,9 mil. O vendedor desmarcou o encontro com o golpista e depois disso ele nunca mais fez contato.
— Não sei qual seria o golpe. Me disseram que ele poderia querer roubar o carro, mas procuro marcar em local público, seria mais arriscado. Daqui a pouco, ele poderia se passar como se ele estivesse vendendo. Não sei se seria comigo ou com outro comprador — cogita o vendedor.
Forjar um WhatsApp para tentar tirar vantagem de outras pessoas se tornou uma das modalidades comuns nos últimos meses. Em uma variação desta mesma trapaça, os golpistas criam a conta, entram em contato com pessoas próximas da vítima e informam que mudaram de telefone. Na sequência, pedem dinheiro para quitar algum pagamento e prometem devolver o valor no outro dia. Há casos, inclusive, de clínicas de saúde e médicos que tem o nome usado dessa forma.
— Esse tipo de golpe teve um boom nas últimas semanas. Estão surgindo diversas vítimas, que acabam tendo sua imagem utilizada em outro WhatsApp, com a pessoa se passando por ela — afirma o delegado André Anicet, da Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), que no mesmo dia em que foi ouvido pela reportagem tinha sido alvo de uma tentativa de golpe (o criminoso tentou que ele repasse o código do WhatsApp que permitiria clonar sua conta).
Ao contrário da maior parte dos outros crimes que tem apresentado queda durante a pandemia do coronavírus, que reduziu a circulação de pessoas nas ruas, os estelionatos cresceram no Estado. A média nos seis meses é de 121 casos por dia — ou seja, um golpe a cada 11 minutos. Ao longo do primeiro semestre, o número de casos foi aumentando, especialmente nos meses de distanciamento social: de março a junho. O mês de junho, por exemplo, teve 5.499 registros — acréscimo de 173,8% em relação aos 2.008 do mesmo período do ano passado.
— Não consigo vislumbrar um fator determinante para esse aumento. Mas a pandemia trouxe o isolamento. E, com isso, as pessoas passaram a usar mais os meios eletrônicos para comunicação. Isso facilita a vida do criminoso, ter mais pessoas usando esse aplicativo. A dica primordial que posso dar é sempre desconfiar do que está acessando e com quem está falando. É essencial usar outros meios para comprovar que a pessoa é quem diz ser — alerta Anicet.
Diante da elevação do número de casos de estelionato, a polícia vem trabalhando especialmente na prevenção, forma que considera mais eficaz de combate a esse tipo de crime. No mês de junho, foi lançada uma cartilha sobre golpes. Também são distribuídas artes para compartilharem redes sociais com dicas.
— Temos trabalhado para identificar e responsabilizar responsáveis. Mas o que nos atrapalha um pouco é que, nesses casos pela internet, muitas vezes os autores dos delitos estão fora do Estado. Além disso, os dados cadastrados por essas pessoas nos chips de celulares são falsos, de pessoas que não tem nada a ver com o crime ou até são falecidas — explica o delegado.
Porto Alegre
A Capital é a cidade com maior número de golpes no primeiro semestre no RS. Foram 5.102 — crescimento de 52% em relação aos 3.359 do mesmo período do ano passado. Assim como no Estado, em Porto Alegre a maioria dos registros no semestre aconteceu justamente nos meses de distanciamento social. Somente em junho, foram 1.290 golpes, aumento de 158,5% em relação a junho de 2019 (quando foram 499).
Como se proteger
- Golpistas, em geral, oferecem alguma vantagem para atrair a vítima e têm pressa para obter a vantagem. Fique atento a isso
- Desconfie de ligações de pessoas desconhecidas e nunca repasse informações pessoais
- Durante a venda de item, só entregue o produto após o dinheiro entrar na conta ou receber o valor. Não confie em comprovantes de transferência porque eles podem ser falsificados
- Se tiver um familiar idoso, oriente a pessoa sobre os golpes mais comuns e como se prevenir deles
- Caso seja vítima, registre a ocorrência. É possível utilizar a Delegacia Online