Reunir em eventos empresários com trajetória reconhecida, e, assim, dar credibilidade às negociações e captar novas vítimas, é uma das táticas usada por um grupo investigado por estelionato no Vale do Paranhana, segundo a Polícia Civil. A apuração, que resultou na Operação Faraó na última sexta-feira (5), busca agora mapear o patrimônio que teria sido adquirido pelos envolvidos em um suposto esquema milionário. Ao longo dos últimos quatro anos, teriam sido cerca de cem vítimas lesadas em mais de R$ 25 milhões.
Em almoços e jantares, eram anunciados os novos investimentos — que, segundo a investigação, nunca aconteceriam. Para esses eventos, eram convidados os investidores já captados e possíveis novos clientes. A comemoração, por vezes, incluía ainda o estouro de garrafas de champanhe de R$ 5 mil.
— A presença das próprias vítimas nos eventos que eles promoviam fazia com que os negócios se tornassem factíveis. Eles conseguiram reunir pessoas com credibilidade, empresários sólidos, isso fazia com que os novos acreditassem na concretude. A pessoa chega num evento desses, olha para o lado e vê donos de várias empresas, começa a acreditar. Acha que elas não iriam cair em qualquer falácia— explica o delegado Ivanir Caliari, responsável pela investigação.
Nessas confraternizações, segundo a Polícia Civil, eram apresentados falsos representantes de uma empresa de consórcio do Estado. Os investigadores suspeitam que eram atores contratados. Um deles, um homem com idade entre 45 e 50 anos, de voz firme e bem vestido — ainda não identificado pela polícia — confirmava o enredo usado como pano de fundo para o estelionato.
Segundo o delegado, os investidores eram convencidos de que podiam adquirir um imóvel de forma antecipada e que, logo depois, a empresa de consórcio iria comprá-lo por um valor mais alto. Um terreno, conforme os estelionatários, podia ser adquirido por R$ 8 milhões e vendido na sequência por R$ 10 milhões.
— Eles se passavam por pessoas da cúpula dessa empresa de consórcios e que, por isso, tinham informações privilegiadas. Diziam que a empresa tinha a carta contemplada (de outra empresa) para fazer essa negociação e que eles poderiam adquirir antes à vista, por preço inferior — afirma Caliari.
Os investimentos variavam de R$ 20 mil a R$ 2 milhões. A promessa do grupo, conforme a apuração, era de 15% a 20% de lucro em até 60 dias. Não há indicativos até o momento de que a empresa de consórcios citada nessas negociações tivesse conhecimento do que estava acontecendo.
O destino do dinheiro
Segundo a investigação, que já dura mais de seis meses, o destino do dinheiro reunido não era adquirir esses imóveis e sim investir em uma pirâmide.
— A pessoa entrava, investia e recebia o lucro. Depois, com o tempo, em vez de pegar o lucro, ela deixava ali e investi mais. Em um grupo de cem pessoas, se alguém pressionava e pedia o dinheiro de volta, pegavam de outra e ressarciam. É o modo simplificado de explicar uma pirâmide — afirma Caliari.
A pessoa entrava, investia e recebia o lucro. Depois, com o tempo, em vez de pegar o lucro, ela deixava ali e investi mais. Em um grupo de cem pessoas, se alguém pressionava e pedia o dinheiro de volta, pegavam de outra e ressarciam.
IVANIR CALIARI
Delegado
O grupo, segundo a investigação, investia o dinheiro por meio da InDeal — empresa do ramo de criptomoedas alvo de operação da Polícia Federal em maio do ano passado. Por meio dela, era possível obter lucro de até 15% ao mês. E, assim, de forma temporária, ressarcir os investidores. Conforme a apuração, o negócio iniciou em 2016 e prosperou até o ano passado, quando pararam de repassar os valores aos investidores. Foi neste momento que as vítimas se deram conta e passaram a procurar a Polícia Civil.
— Se as pessoas estivessem cientes de que o dinheiro seria colocado na pirâmide, não teriam concordado em entregar o dinheiro — afirma o delegado.
Patrimônio
Além do investimento na pirâmide financeira, segundo a apuração, foram adquiridos dezenas de imóveis e veículos, com dinheiro das vítimas. A polícia está tentando mapear esses bens, para possibilitar que no futuro as pessoas sejam ressarcidas. Entre os carros apreendidos tem BMW, Jaguar, Mercedes, T-Cross, Vitara, HB20 e Jetta.
Um dos investigados foi preso no bairro Petrópolis, em Porto Alegre. No condomínio onde ele residia, a polícia já identificou novas vítimas, que estavam sendo envolvidas no mesmo tipo de esquema.
Considerado mentor do esquema, ele é apontado pelos investigadores como uma pessoa de capacidade de persuasão elevada, com atuação no ramo imobiliário, na compra e venda de imóveis. Quando a suposta fraude teve início em 2016, ele tinha 26 anos. O homem decidiu que falaria somente em juízo.
— As vítimas são pessoas das mais variadas idades, muitas acostumadas com negociações internacionais. Ele conseguiu enganar essas pessoas. Isso nos chama atenção. Ele foi sócio de duas imobiliárias, trabalhava com negócios que existiam também, o que ajudava a fortalecer esse pano de fundo.
Dono de um sítio de luxo, no interior de Taquara, o outro preso é apontado pela investigação como um dos principais articuladores para angariar vítimas. A propriedade, construída há pouco tempo, é avaliada em R$ 6 milhões — em um primeiro momento, a polícia havia estimado que o sítio valesse R$ 3 milhões. De vendedor de materiais de construção, passou a representante e, segundo a investigação, teve um salto no patrimônio. Ao ser preso, também não quis falar.
— Ele começou a andar de BMW, ostentar patrimônio, imóveis. Incluindo esse sítio que foi objeto do mandado — explica o delegado.
Os dois mantinham empresas de venda de imóveis em Taquara e Igrejinha. Com a quebra da pirâmide, os negócios foram fechados. Um deles chegou a ser sócio-fundador de outra empresa voltada para investimentos como criptomoedas em Taquara, onde os policiais cumpriram mandando de busca também no dia 5. Mas há alguns meses não integra mais o quadro de sócios, conforme a polícia. Os nomes dos presos, ambos de forma preventiva, não foram divulgados pela polícia.
A investigação no momento
Um dos objetivos da apuração no momento é mapear os patrimônios adquiridos, por meio do esquema — que possam ter sido ocultados em nome de laranjas. E, com isso, tentar auxiliar na redução do prejuízo das vítimas. O grupo é suspeito de ter usado pelo menos R$ 10 milhões para adquirir imóveis e veículos, como forma de “lavar” o dinheiro.
A polícia também apura a participação de outras pessoas — 15 são investigadas ao todo. Caso sejam identificados, os supostos atores contratados para forjar serem representantes de empresas, podem responder por estelionato. Já os demais são investigados ainda por formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro. O inquérito deve ser concluído no início da próxima semana.