No início de fevereiro, um morador de Porto Alegre, de 69 anos, foi informado por telefone de que a esposa tinha R$ 137 mil a receber em três parcelas como forma de compensação pelo Plano Collor. Para ter acesso ao valor, precisava realizar depósito de R$ 1.498,80, para custear despesas com a documentação.
Desconfiado, o idoso se aconselhou com a gerente do banco no qual tem conta. Descobriu que estava prestes a cair em um golpe. Assim como ele, outras pessoas são alvo desse tipo de crime.
Também pelo telefone, uma idosa de 78 anos foi informada que o marido, já falecido, tinha um valor a receber como forma de indenização pelo mesmo plano. A mulher não teve a mesma sorte. Acabou depositando R$ 1,5 mil em conta bancária aos estelionatários. Quando recebeu novo pedido para pagar mais R$ 5 mil, desconfiou de que havia algo errado. Mas, como já havia realizado o primeiro depósito, teve de arcar com o prejuízo.
Nos dois casos, os aposentados foram alvo de golpistas que fingem relação com ações movidas para ressarcir pessoas lesadas por planos econômicos. Fisgam a vítima com a promessa de que receberão valor alto e somem após conseguirem alguma quantia da pessoa que haviam entrado em contato. Fingem-se tanto de advogados como de representantes de órgãos que moveram ações coletivas.
No primeiro relato, o idoso atendeu por telefone um homem que identificava-se como "doutor Eduardo" e dizia ser membro do Conselho Nacional da Previdência. O golpista alegava que as ações haviam sido movidas por Estado e que o Rio Grande do Sul era o primeiro a ser contemplado. Entre as pessoas a receberem o depósito, conforme a narrativa do estelionatário, estava a esposa do idoso. Ele informou inclusive número de protocolo do processo.
— Ela não estava em casa no momento. Ele ficou conversando comigo. Eles tinham os dados dela: nome, telefone, nome da mãe. Isso vai te convencendo — conta o idoso.
A mulher teria três parcelas a serem ressarcidas de R$ 74,8 mil, R$ 32,6 mil e R$ 29,7 mil. Como forma de convencer a vítima a fazer o depósito imediato, o estelionatário alegou que o pagamento precisava ser feito no mesmo dia, para que a primeira parte fosse liberada imediatamente. Caso contrário, o valor poderia ser perdido. Em dúvida, o aposentado decidiu se aconselhar com a gerente do banco onde mantém conta. Foi informado que outros clientes haviam passado pela mesma situação e se tratava de golpe. Na mesma manhã, em nova ligação, uma mulher tentou confirmar o depósito. O idoso ironizou a golpista:
— Estive no cartório 171. Eles estão precisando falar com vocês — respondeu, referindo-se ao artigo do Código Penal que prevê pena de um a cinco anos de reclusão para o crime de estelionato, pouco antes de a mulher desligar o telefone irritada.
Investigação
Geralmente quem liga é uma pessoa que se expressa bem, dizendo que o idoso tem esse valor a receber, mas precisa dar uma contrapartida para pagar uma taxa ou custos com movimento do processo.
CRISTIANE RAMOS
Titular da Delegacia do Idoso de Porto Alegre
A Polícia Civil não possui dados isolados desse tipo de crime, já que os golpes de maneira geral são registrados como estelionato. Segundo a titular da Delegacia do Idoso de Porto Alegre, delegada Cristiane Ramos, o delito possui variações sobre o motivo do dinheiro que a vítima teria a receber.
— Assim como alegam ser do Plano Collor, também ligam afirmam que a pessoa tem um valor de um processo judicial. Geralmente quem liga é uma pessoa que se expressa bem, dizendo que o idoso tem esse valor a receber, mas precisa dar uma contrapartida para pagar uma taxa ou custos com movimento do processo. Com a possibilidade de ganho maior, pela qual vai ter de pagar uma taxa pequena, o negócio parece interessante para a vítima — explica.
A investigação depende de quebra de sigilos, tanto telefônico como bancário. Em geral, os golpistas sacam o dinheiro rapidamente, o que dificulta a recuperação do valor. É comum que a origem da trapaça se dê em outro Estado, para onde a investigação é remetida. Por isso, Cristiane destaca a importância da prevenção para que o crime não se concretize.
— O golpista trabalha com isso. É especializado em passar a perna. No estelionato, a vítima entrega o bem porque foi enganada. Temos de trabalhar para que ela não seja mais enganada. Para que as pessoas fiquem alerta que dinheiro que vem muito fácil geralmente se deve desconfiar — diz a delegada.
Detalhe GZH
Com o pacote anticrime, o estelionato passou a ser um crime de ação condicionada quando as vítimas têm até 70 anos. Ou seja, o delito pode ser registrado, mas a investigação só será aberta se a pessoa lesada concordar. Dessa forma, é possível fazer somente o registro. Para a polícia, ainda que a vítima não queira dar seguimento ao caso, é importante o registro para reunir informações para outras investigações.
Fonte: SSP-RS
Entenda as perdas
Nas principais medidas econômicas dos anos 1980 e 1990 — os planos Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2 —, costumavam ocorrer a troca do nome da moeda oficial, o congelamento de preços e a mudança dos índices de rendimento de depósitos bancários, inclusive das cadernetas de poupança. Isso gerou uma série de perdas financeiras para quem tinha dinheiro nos bancos na época da alta inflação. O caso mais complexo é o gerado pelo plano Collor 1. O pacote de 15 de março de 1990 determinou que as quantias superiores a 50 mil cruzados novos depositadas em contas de poupança fossem bloqueadas e remetidas ao Banco Central (BC).
Outras trapaças por telefone:
Golpe do motoboy - A vítima recebe uma ligação informando que foram feitas compras em seu cartão de crédito. A pessoa ao telefone diz que gostaria de confirmar se foi o proprietário que realizou a transação. O idoso nega ter feito a compra, então é convencido de que teve o cartão clonado. Ele é orientado a partir o cartão ao meio e colocar em um envelope com uma carta escrita com seus dados. Em seguida, um motoboy passa e recolhe o material. Assim, os golpistas ficam com o cartão (que ainda pode ser usado, mesmo quebrado) e os dados da vítima.
Golpe do sobrinho - O estelionatário telefona para números aleatórios. Então se identifica como sobrinho ou primo da vítima. Durante a conversa, faz a pessoa adivinhar quem está telefonando. Quando ela diz o nome de um parente, o estelionatário confirma ser ele. O golpista diz que está indo visitar as vítimas, mas sofreu um acidente na estrada e está sem dinheiro para o guincho ou mecânico. A vítima, convencida de que é um familiar, acaba depositando o dinheiro. Em algumas versões, o criminoso pede até que ela recarregue o celular dele.
Golpe do falso sequestro - Os estelionatários fazem contato por telefone e alegam que estão com um familiar da vítima sequestrado. Ao fundo da ligação, ouve-se uma pessoa gritando por socorro. A vítima assustada não se dá conta e acaba mencionando o nome do familiar. Os criminosos exigem que a pessoa deposite uma quantia em dinheiro para libertar o sequestrado. A pessoa é orientada a não desligar o celular. Essa é uma forma de que ela não seja alertada por outras pessoas. A vítima faz o depósito e então descobre o golpe.
Se for vítima
Caso caia em algum golpe, informe a Brigada Militar ou vá até a Polícia Civil o mais rápido possível. Tente descrever aos policiais o máximo de características físicas dos golpistas. Se seus cartões bancários forem levados, entre em contato com seu banco. Se for idoso, na Capital há delegacia especializada para atender essas vítimas. Ela fica junto ao Palácio da Polícia, na Avenida Ipiranga, 1.803.
Como prevenir
- Fique atento para a urgência do depósito e para a negociação de valores. Estelionatários querem obter dinheiro logo, antes que a vítima se dê conta do golpe. Para isso, podem sugerir um valor menor. Não deposite dinheiro para desconhecidos.
- É importante lembrar ou verificar se entrou com alguma ação na justiça. Informe-se pelos canais oficiais. Se tiver algum processo, pode ir até a Justiça solicitar informação.
- Se tiver um processo em andamento, entre em contato com a órgão oficial ou com o advogado que tenha contratado.
- Não forneça nenhum dado a pessoa que não conhece, seja pessoalmente, por telefone ou meios eletrônicos.
- Não tente verificar por números repassados por quem fez contato por telefone. Em geral, golpistas usam uma rede de contatos falsos.
Fontes: Caixa Econômica Federal e Polícia Civil