Baixo e com corpo franzino, Vagner Ribeiro não aparenta os 20 anos que tem. O jovem que ainda apresenta traços de adolescente agora é o responsável pelas irmãs de 11 e 13 anos e a referência para o irmão de 18. A mãe deles, Letícia Ribeiro, 39, levou 18 facadas na manhã de 23 de outubro, no bairro Estalagem, em Viamão. Os três irmãos de Vagner, que presenciaram o crime, dizem que o ex-companheiro dela foi o agressor. Após 36 dias internada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), a diarista morreu na última quinta-feira (28) e foi sepultada no sábado (30).
Com a morte de Letícia, o ex-companheiro da vítima, Paulo César Nunes, 43 anos, foi indiciado por feminicídio. Ele havia sido detido em flagrante pela polícia no dia do crime. Em um primeiro momento, a titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Viamão, delegada Jeiselaure de Souza, tratou o caso como tentativa de feminicídio. O inquérito foi concluído 10 dias depois da prisão. GaúchaZH não conseguiu contato da defesa dele.
Separada havia um mês e engatando um novo relacionamento, Letícia foi atacada dentro de casa. Com a justificativa de que pegaria ferramentas nos fundos da residência, Nunes teria acordado a ex-companheira no dia 23. Conforme relato de familiares, Letícia teria aberto a porta para ele entrar. Quando se virou, teria sido atacada com dois golpes no abdômen.
— Quando se virou para se defender, ele deu um terceiro golpe nas costas. A faca entortou. Pegou uma (faca) de açougueiro na gaveta e não parou. Ela (Letícia) dizia: "Olha as minhas filhas". Mas ele estava cego. Uma das minhas irmãs se atirou em cima da minha mãe para ver se ele parava. A outra ligou para a Brigada Militar. Meu irmão me ligou. Caiu meu chão —conta Vagner.
Segundo o filho, em pouco mais de um mês de internação, Letícia teve quatro paradas cardíacas e uma respiratória. Os dois pulmões foram perfurados no ataque. A mulher ficou 36 dias em coma induzido.
— Foi muito forte e guerreira. Tenho orgulho da minha mãe — afirma o jovem.
Letícia e Nunes viveram juntos por seis anos. Segundo Vagner, ele era muito ciumento. O filho conta que, algumas vezes, a mãe precisava trabalhar escondida porque o então companheiro não gostava que ela saísse de casa. Tinha ciúme dos familiares e não queria que Letícia se arrumasse.
A diarista vivia isolada.
— Não podia fazer nada. Trancava a vida da minha mãe, como acontece com muitas mulheres. Não podia dar muita atenção para mim e para minhas irmãs por causa dele. Reclamava que os filhos recebiam mais atenção do que ele. Tudo era motivo de briga —relembra Vagner.
Casado, o filho mais velho não morava com a mãe, os irmãos e o ex-companheiro dela. Vagner conta que, com frequência, recebia ligações dos mais novos pedindo ajuda quando Nunes a agredia.
— Nos primeiros meses de relação, foi tudo mil maravilhas. Mas depois começaram as agressões. Ele usava facão, dava socos, empurrões. Minha mãe era pequena, baixinha. Tu conseguia erguê-la com facilidade — conta.
De acordo com a delegada Jeiselaure de Souza, da Deam de Viamão, Letícia já havia registrado três boletins de ocorrências contra Nunes. Um deles foi em 2015, por lesão corporal. Na época, o homem teria atingindo a companheira com uma serra, machucando sua mão.
As outras duas foram registradas em 2018: em janeiro, por ameaça, e em julho, novamente por lesão corporal. Atualmente, não tinha solicitado medida protetiva.
— É um direito da vítima retomar a relação, mas é importante ressaltar que as mulheres devem fazer adesão ao serviço de atendimento e proteção. Temos uma rede estruturada em Viamão, com acompanhamento de assistente social, psicólogas, grupo de apoio. Existem formas, inclusive, de tratamento para o agressor. Sem a medida protetiva não temos acesso ao núcleo familiar para fazer esse trabalho de prevenção — ressalta Jeiselaure.
Segundo o primogênito, a mãe era alegre, ágil e querida. Letícia criava os três filhos mais novos sozinha em uma casa simples. Desde que o crime aconteceu, Vagner se mudou com a esposa, grávida de quatro meses, para a casa da mãe para cuidar dos irmãos. Devido ao período de internação, em que acompanhava diariamente Letícia no hospital, acabou deixando o emprego de vendedor de carros em Canoas. Agora, procura nova oportunidade em Viamão para não precisar ficar longe das meninas.
— Vou terminar de criar minhas irmãs como ela fazia. Recebi dela respeito, carinho e educação. Tudo que aconteceu é um baque total. Não consigo mais chorar. É como se não tivesse mais lágrimas nos meus olhos. Tento ser firme pelas minhas irmãs. Porque se desabo, elas desabam também. Mas, por dentro, estou destruído. Estou num pesadelo que parece que ainda não saí — conta.
Feliz com o novo relacionamento, Letícia estava vivendo um bom momento quando foi assassinada, segundo o filho:
— No último domingo em que estivemos juntos, conheci o namorado dela. Estava muito bonita, arrumada. Esbanjava felicidade.