Sufocados pela ausência do filho, assassinado em maio de 2015, os pais de Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro Júnior deixaram Charqueadas no final do mesmo ano. O gestor comercial Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro, 52 anos, e a administradora Tatiane Faleiro, 42, hoje vivem na Capital. Reproduziram em casa o quarto do adolescente de 17 anos. A touca sobre a imagem de uma santa, a cadeira da escrivaninha disposta do mesmo jeito e as engenhocas, criadas pelo garoto que pretendia cursar Mecatrônica, expostas como ele deixou.
— A gente não tem força para desmontar o quarto dele. Entramos lá com a sensação de que ele soltou a caneta e largou o mouse há poucos instantes — afirma o pai.
Ronei Júnior morreu após ser agredido com garrafadas, chutes e pontapés na saída do Clube Tiradentes, onde acontecia uma festa que arrecadava fundos para a formatura no Ensino Médio. O pai e um casal de amigos também ficaram feridos. O adolescente chegou a ser levado ao hospital da cidade pelo pai, que foi orientado a transportá-lo até Porto Alegre. Ele morreu antes de chegar.
A partir desta segunda-feira (18), nove réus pelo crime irão a júri em Charqueadas. A previsão é de que o julgamento termine na sexta-feira (22). Eles respondem por homicídio qualificado, três tentativas de homicídio qualificado, associação criminosa e corrupção de menores. Segundo o promotor Márcio Abreu Ferreira da Cunha, havia rixa de um grupo, que se denominava "Bonde da Aba Reta", com pessoas de outras cidades que frequentavam festas em Charqueadas. Um amigo de Ronei Júnior era de São Jerônimo.
Retornar a Charqueadas, onde aconteceu o homicídio, provoca sentimentos antagônicos nos pais do adolescente. Se, por um lado, o julgamento marca a conclusão de uma etapa, também os força a relembrar o crime e a ficar frente a frente com os réus.
— Esta resposta à sociedade é necessária, mas, de alguma forma, nosso destino foi selado. Já existe uma condenação: a do meu filho e da nossa família. Para um pai e para uma mãe, embora inquestionavelmente se queira justiça, não existe mais ajuste pleno. Não tem mais conserto. Não vai atenuar, mas vai finalizar uma etapa. E aí vamos seguir cuidando de uma ferida que sangra diariamente — conta o pai.
O pai lembra que Ronei Júnior andava eufórico: estava envolvido com as questões do último ano do Ensino Médio, a festa de formatura, a possibilidade de viagem e os planos sobre o que iria apresentar na feira de ciência que ocorreria dali alguns meses. Desde os 14 anos, o adolescente passou a se interessar por aeromodelismo. Fazia experiências que até hoje seguem intactas.
— Um dia, colocou na cabeça que ia gerar energia elétrica, num motor com único cilindro, a partir da decomposição da água. Pesquisou, desenhou e montou. E funcionou. Acabou levando para uma feira de ciências. Tenho até hoje isso. Aquilo que ele gostava ocupava o dia todo. Acabava ficando dentro do quarto, que era um grande laboratório para fazer essas coisas — lembra o pai.
O quarto montado na casa da Capital como Ronei Júnior deixou na antiga residência é o refúgio dos pais. A família escolheu viver no Interior para ter mais tranquilidade. Uma série de situações que pareciam distantes da vida pacata em Charqueadas atormentam os pais de Ronei Júnior até hoje.
— Tu começa a ter medo de tudo. Hoje, dificilmente eu abro a janela do carro — conta.
Deixar a cidade de 40 mil habitantes onde o crime ocorreu foi a forma que encontraram para se distanciar do local e evitar cruzar com familiares dos réus. Dos nove que serão julgados, oito estão detidos e um está em prisão domiciliar. Mas o vazio que a falta do filho provoca não vai embora:
Há até situações que a gente não dá tanta importância ou valor, como abrir a porta e um filho te chamar pelo nome. Mas quando tu perde isso teu mundo desaba. E essas coisas fazem falta.
RONEI WILSON FALEIRO
Pai da vítima
— A gente olha para a porta e tem a sensação de que ele vai abrir e entrar. Não é muito fácil acordar de manhã, enfrentar o dia sob outra perspectiva. Isso ainda é algo que a gente não consegue administrar. No final, tu pensa: de que valeu se tu chega em casa e ela está vazia? Há até situações que a gente não dá tanta importância ou valor, como abrir a porta e um filho te chamar pelo nome. Mas quando tu perde isso teu mundo desaba. E essas coisas fazem falta.
Ronei Júnior era um adolescente inquieto, mas que ainda não tinha uma rotina de vida noturna. Segundo o pai, ele havia ido em alguns aniversários e frequentava sua primeira festa no dia do ataque. Costumava avisar os pais quando chegava em casa depois da escola. Na noite do crime, o menino mandou uma mensagem para o pai, pedindo que ele lhe buscasse.
De acordo com o Ministério Público (MP), Ronei Júnior ofereceu carona para o amigo e a namorada dele. Testemunhas apontam que, durante a festa, o amigo de São de Jerônimo já teria sido ameaçado pelo grupo. Na saída, os três foram abordados pelos integrantes do "Bonde da Aba Reta", como o grupo se denominava, segundo o MP. O pai de Ronei Júnior, que chegou naquele momento, também foi agredido.
— Temos provas robustas da participação de todos os réus na prática do delito e do prévio conluio para praticar os fatos — afirma o promotor.