Dois inquéritos em andamento na 17ª Delegacia da Polícia Civil da Capital e duas sindicâncias na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) apuram supostas irregularidades no Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul (Amapergs-Sindicato). Má gestão de recursos teria resultado em dívidas e perdas de duas colônias de férias da entidade, além de prejuízo financeiro aos associados, servidores públicos ligados à categoria.
A investigação tem origem em dois dossiês, um elaborado por atuais dirigentes da Amapergs e outro por ex-integrante, contendo suspeitas mútuas de desvio de verbas, em meio a um racha no comando da entidade com quase 2 mil filiados e receita de cerca de R$ 1,8 milhão anual.
Um dos dossiês, com 1,3 mil páginas, foi produzido por Rodrigo Kist durante o período que foi diretor jurídico (dezembro de 2017 a setembro de 2018). Segundo ele, ocorreriam irregularidades de responsabilidade do então presidente Flávio Berneira Junior e dos atuais dirigentes Cláudio Fernandes (presidente) e Luiz Fernando Rocha (vice), entre outros. A Amapergs teria sido prejudicada com dívidas e a perda de uma colônia de férias em Santa Catarina. Haveria, também, suposto desvio de repasses ao caixa da entidade de ganhos de causas trabalhistas.
Outro dossiê, com cerca de 700 páginas, foi encaminhado por sete dirigentes da Amapergs, entre eles, Fernandes e Rocha. O documento contém suspeitas de desvio de dinheiro que teriam levado aos afastamentos da Amapergs de Rodrigo Kist e de um tesoureiro, em setembro de 2018. Um mês depois, o então presidente Flávio renunciou. A Susepe abriu sindicância contra os três, mas a suspeita contra Kist foi arquivada por falta de provas.
O dossiê contém atas de assembleia com contas rejeitadas, além de laudo contábil que apontaria pagamentos indevidos, incluindo a suposta compra de uma motocicleta para o ex-presidente Flávio.O documento também traz constatação apontando pagamento que seria indevido para a compra de uma colônia de férias em Palmares do Sul. As terras pertencem ao município, e a prefeitura avalia a retomada do espaço.
O que é apurado
Colônia de férias em Santa Catarina
A Amapergs teria pedido empréstimo para construir uma colônia de férias em Passo de Torres (SC), nos anos 1990. O financiamento não teria sido quitado, gerando processo judicial e a condenação da entidade a pagar R$ 2,3 milhões.
Colônia de férias em Palmares do Sul
A Amapergs teria ganhado 12 terrenos em Quintão, em Palmares do Sul. Apesar da doação, o sindicato teria pagado R$ 83,6 mil pela área. A transação seria ilegal por contrariar estatuto e ter sido realizada sem aprovação de assembleia.
Ações judiciais
A Amapergs teria sido lesada em processos abertos a partir de 2008, nos quais teria intermediado assistência jurídica a filiados. A associação alega que teria direito a parte do valor pago aos advogados. Não haveria registros de entrada do dinheiro no caixa da entidade.
Compra de moto
Em fevereiro de 2016, teria sido transferido R$ 6,7 mil da conta da Amapergs para uma revenda pela suposta compra de motocicleta 125 cc, ano 2015, para uso do então presidente Flávio Berneira Júnior.
Dívida em banco
Descontos em folha de associados, referentes a empréstimos consignados, seriam repassados a uma financeira via Amapergs. A financeira teria falido, e a Amapergs teria retido valores. Um banco teria assumido a financeira e coberto a dívida de R$ 500 mil.
Contrapontos
O que diz Flávio Berneira Júnior, ex-presidente da Amapergs
"São acusações absurdas. Tudo começou porque queriam suspender ajuda de custo para diretores que não iam trabalhar. Era presidente e me licenciei para concorrer. Se fosse eleito deputado, 22 diretores escolheriam meu substituto. Kist era favorito, mas foi afastado. Pedi na Justiça o retorno. Aí, se viraram contra mim. Renunciei. Metade dos diretores saíram solidários a mim. Outros entraram e elegeram Cláudio. Já paguei despesas e depois a Amapergs me ressarciu. Moro em um bairro humilde em casa que construí com as minhas mãos. Meu patrimônio está aberto. A compra da moto foi autorizada pela diretoria, paguei em seis parcelas. Outros diretores também pegaram adiantamentos, mas não falam. Toda a diretoria sabia da negociação da área em Palmares. Até hoje espero por uma assembleia geral para votar as minhas contas."
O que diz Cláudio Fernandes, presidente da Amapergs
"Em 1999, o Estado bloqueou o canal de descontos. Fomos impedidos de cobrar dos sócios os empréstimos consignados. Fizemos acordo para pagar os R$ 500 mil, quitados em 2016. O acordo com advogados para dividir os honorários foi anterior a 2008. Não poderia entrar dinheiro na conta de diretores nem da Amapergs. Conseguimos reduzir a dívida da Colônia de férias em Passo de Torres (SC) para R$ 1 milhão. Teve uma falha de uma pessoa que estamos responsabilizando. Perdemos a sede e estamos pagando. Não estava no sindicato quando foi feito o negócio."
O que diz Luiz Fernando Rocha, vice-presidente da Amapergs
"Tem processos correndo na Justiça. Não vou me manifestar."
O que diz Rodrigo Kist, ex-diretor jurídico da Amapergs
"Sinto que cumpri com meu dever enquanto servidor penitenciário e diretor sindical, de forma ética. A Susepe arquivou sindicância contra mim. Agora é com a Justiça."
Como apuramos esta matéria?
A reportagem teve acesso a dois dossiês apresentados à polícia que apontam supostas irregularidades na gestão do Sindicato dos Servidores Penintenciários do Estado do Rio Grande do Sul (Amapergs–Sindicato), que tem quase 2 mil filiados, com receita anual de cerca de R$ 1,8 milhão. Polícia Civil e Susepe apuram as suspeitas.