A argentina Alicia Galfaso estará em Porto Alegre para palestrar, no dia 1º de outubro, no seminário internacional sobre prevenção ao suicídio na segurança pública. Nesta entrevista, a especialista em psicologia de emergência fala sobre a importância do autocuidado emocional para evitar que o estresse cotidiano avance ao patamar da ideação suicida.
Quais serão os principais temas do seminário?
O autocuidado do profissional, tendo em conta as características relacionadas ao suicídio. Por um lado, os policiais trabalham com vitimas de suicídio porque são chamados a atuar nessas situações. E muitas vezes acontece o suicídio entre seus companheiros. Os policiais atendem vítimas e também são vítimas, é uma sobreposição. Não há ferramentas para que policiais se cuidem emocionalmente, já que estão muito expostos a situações duras todo tempo. Isso produz muito desgaste na vida privada e traz a conduta suicida.
Quais situações da rotina do policial podem agravar a conduta suicida?
Muitas, mas o foco é o estado de frustração. Eles sentem que não podem fazer o que querem fazer. A sociedade vê na figura do policial, e do bombeiro também, o herói, mas eles são profissionais, e não heróis. É uma frustração em não poder responder ao comportamento que pede a sociedade, o que é impossível. São pessoas que cometem erros. Não podem muitas vezes resolver as coisas da forma que gostariam, estão em constante perigo. Não é tudo tão romântico como se imagina. Essa é a diferença entre o que se espera deles e o que verdadeiramente eles podem fazer. Some isso ao perigo real de morte, as situações de dor. O policial começa a ter a sensação de que pode não valer a pena o que ele está fazendo. A remuneração, em geral, não é boa nos países latino-americanos. A qualidade de vida tampouco é boa em relação ao risco de vida que correm. Tudo isso junto gera muita frustração.
O fato de termos no Brasil a polícia militarizada pode ser um fator extra devido ao rigor hierárquico?
Não creio. As polícias, mesma as não militares, costumam ser muito verticais e hierárquicas em qualquer parte. É um sistema de ordem que todas as polícias têm. Me parece que o problema atravessa mais as questões humanas. Na Argentina, o sistema de polícia não é militarizado e também é muito rigoroso na ordem interna, muito hierarquizado e com altos índices de suicídio.
O que seriam os fundamentos do autocuidado para o policial?
O fundamental é descobrir seus próprios limites. O que pode e o que não pode. Saber do que se tem medo e do que não se tem medo. Seguimos com a fantasia de que o policial não deveria ter medo de nada. Isso é impossível. É necessário ter ferramentas concretas, técnicas, para poder trabalhar as cargas emocionais e as coisas que lhe impactam. Algo que possa ajudar a controlar o estresse, identificar a causa do estresse. Em alguns casos, o estresse está ligado a questões físicas e de enfermidade. Em outros, ao emocional, problemas com esposa, com os filhos, abuso de álcool e drogas. Também é importante aprender a trabalhar em equipe. Isso é muito difícil nessas instituições. Que sejam construídas equipes de trabalho, e não apenas gente que vai junto a um lugar. Equipes com conhecimentos mútuos, com espaço para conversar. Tudo isso facilita para que os policiais possam apoiar uns aos outros. Quando se constroem verdadeiras equipes de trabalho, o cuidado entre eles é maior. Se um dia um não está bem, mostra alguma reação, o próprio companheiro pode ajudar. O psicólogo entra em casos mais avançados. Hoje temos equipes de policiais que, na verdade, são de atuação individual.
A expectativa de que o policial seja forte e destemido contribui para que não busque ajuda e sufoque as emoções?
O policial crê que precisa ser muito forte. Lamentavelmente, em 2019, seguimos crendo que as pessoas que têm emoções são frágeis. E não existe pessoa sem emoção. O que existe é a opção entre mostrar isso ou não mostrar. Mas não tê-las é impossível. O policial, por um lado, para seguir se mostrando um herói, esconde as emoções. E, por outro lado, somos países machistas, o que também reforça isso. O homem tem de ser muito macho. O policial não pode chorar, não pode dizer que tem medo ou que algo o angustiou. Isso seria fragilidade inadequada para a sua atividade. Temos de trabalhar muito como sociedade para desarmar isso e entender que a fortaleza é justamente poder demonstrar as emoções e seguir adiante.
Onde buscar ajuda?
Centro de Valorização da Vida (CVV): oferece ajuda por diversos canais, como telefone (188, com ligação gratuita), presencialmente, via e-mail ou chat (no site cvv.org.br, que reúne orientações).
Outros sites com orientações
- Ministério da Saúde: saude.gov.br/saude-de-a-z/suicidio
- Setembro Amarelo: setembroamarelo.org.br
- Associação Brasileira de Estudos e Prevenção ao Suicídio: abeps.org.br