Ronnie Lessa, 48 anos, preso nesta terça-feira (12) acusado de ter atirado em Marielle Franco e no motorista Anderson Gomes, segundo denúncia do Ministério Público, é conhecido pela pontaria certeira e pela frieza em suas ações. Sargento reformado da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro, tem fama associada a crimes de mando entre colegas de farda — apesar de, até então, nunca ter sido investigado e ser ficha limpa até a operação desta terça-feira (12).
Egresso dos quadros do Exército, foi incorporado à PM em 1992, onde atuou até virar adido da Polícia Civil, trabalhando na extinta Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRAE), com a mesma função da atual Desarme, na Delegacia de Repressão à Roubo de Cargas (DRFC) e na extinta Divisão de Capturas da Polinter Sul. As informações constam de reportagem do jornal O Globo publicada nesta terça-feira.
O outro suspeito preso também nesta terça-feira é o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, detido quando estava saindo de sua casa, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Ele é acusado de ter dirigido o Cobalt prata usado na emboscada que tirou a vida da vereadora. Queiroz foi expulso da corporação após se tornar réu na chamada Operação Guilhotina, que colocou em xeque a cúpula da Polícia Civil fluminense.
Carreira como mercenário
A experiência de Lessa como adido foi o motor de sua carreira mercenária. A prática de cessão de PMs para a Polícia Civil começou no início dos anos 2000, quando o Rio ainda enfrentava uma onda de sequestros que começou na década anterior. A primeira leva, transferida para a Divisão Anti-Sequestro (DAS), forjou outros nomes que posteriormente fariam fama no mundo do crime, como o do sargento da reserva da PM Geraldo Antônio Pereira, o Pereira; e o sargento Marcos Vieira de Souza, o Falcon, ex-presidente da Portela, ambos assassinados em 2016, em situações diversas.
O próprio Orlando de Oliveira Araújo, o Orlando da Curicica, apontado inicialmente como principal suspeito, também é oriundo da DAS. No caso dele, como já havia sido expulso pela Polícia Militar, atuava como informante da delegacia ou X-9, como era vulgarmente conhecido. O alcaguete andava em viaturas da polícia, além de portar armas, inclusive fuzis.
Lessa logo destacou-se e ganhou respeito pela agilidade e pela coragem na solução dos casos. Essa fama, segundo os bastidores da polícia, chegou aos ouvidos do bicheiro Rogério Andrade, na época cada vez mais ocupado em fortalecer o seu exército numa sangrenta disputa territorial com o também contraventor Fernando Iggnácio de Miranda pelo legado do bicheiro Castor de Andrade, morto em 1997.
Arregimentado por Andrade, Lessa não demorou a crescer na organização e tornar-se homem de confiança do chefe. Até que, em abril de 2010, a explosão de uma bomba no carro do bicheiro não apenas matou o filho dele, Diogo Andrade, 17 anos, como abalou a credibilidade de Lessa junto ao chefe, por não conseguir protegê-lo, assim como sua família. O guarda-costa e exímio atirador foi incapaz de evitar a morte do jovem.
Atentado à bomba em 2009
O método de detonação da bomba usada no atentado que matou o filho do contraventor, segundo peritos da época, foi o mesmo usado em um atentado contra o próprio Lessa, em 2 de outubro de 2009. No incidente, o sargento reformado perdeu uma perna. Laudo do Esquadrão Antibombas da Polícia Civil revelou que para explodir o Toyota Corolla blindado de Andrade foi usado um dispositivo acionado à distância por meio de um telefone celular.
A reforma por invalidez tirou Lessa da função de adido, mas não dos corredores de delegacias da Polícia Civil, principalmente a antiga Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRAE). Em 2011, ciente da migração de agregados para as fileiras do crime, a Secretaria de Segurança do Estado vetou para sempre a cessão de quadros da PM para a Polícia Civil e acabou com a DRAE. A medida foi resultado da Operação Guilhotina da Polícia Federal, que investigou a corrupção policial envolvendo policiais civis e os adidos, além de integrantes da cúpula da instituição.
Com as portas fechadas na polícia, o ambiente mafioso tornou-se um caminho sem volta para Lessa. Segundo conhecidos, ele é capaz de tudo para cumprir as empreitadas criminosas, sem medir as consequências.
Hábil no manejo principalmente de fuzis, é conhecido por gostar de atirar sentado, embora uma prótese moderna disfarce bem o problema físico quando em pé. Jamais volta para a base sem ter cumprido o que fora acertado com o contratante.
Lessa chegou a receber moção do deputado estadual Pedro Fernandes (PSD), avô do atual secretário de Educação do Rio Pedro Fernandes, em 23 de novembro de 1998. Fernandes destacou na época: "a maneira como vem pautando sua vida profissional como policial-militar do 9º BPM. Sem nenhum constrangimento posso afirmar que o referido militar é digno desta homenagem por honrar, permanentemente, com suas posturas, atitudes e desempenho profissional, a sua condição humana e de militar discreto mas eficaz."
O 9º BPM foi chefiado, em muitos momentos, pelo tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira, condenado a 36 anos de prisão, acusado de ser o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli.
Com portas fechadas na polícia, Lessa, de acordo com a investigação, passou a fazer parte de uma organização criminosa de matadores de aluguel, conhecida como a mais temida e eficiente do Rio.
Conhecidos de Lessa teriam relatado aos investigadores que ele é capaz de tudo para cumprir as empreitadas criminosas, sem medir as consequências. Hábil no manejo principalmente de fuzis, é conhecido por gostar de atirar sentado, embora uma prótese moderna disfarce bem o problema físico quando em pé.
Lessa foi preso em sua casa no condomínio Vivendas da Barra, na Avenida Lúcio Costa, 3.100, Barra da Tijuca. O local é o mesmo onde o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), mora. O condomínio fica de frente para o mar, com seguranças na portaria.
No local, os agentes apreenderam o carro de Lessa, uma SUV Infiniti FX35 V6 AWD, blindada. O modelo custa em média R$ 120 mil. Os agentes também descobriram que o policial viajava com frequência para o exterior.
Lessa também é suspeito de manter um imóvel no Méier, na Zona Norte do Rio. Agentes da Divisão de Homicídios da Polícia Civil realizaram mandado de busca no local e encontraram grande quantidade de armas desmontadas.
Elcio Queiroz, expulso da corporação
Já ex-PM Elcio Vieira Queiroz foi expulso da corporação depois de ter sido réu na Operação Guilhotina da Polícia Federal, em 2011. Ele foi um dos 45 denunciados pelo Ministério Público estadual do Rio pelos crimes de formação de quadrilha armada, peculato, corrupção passiva, comércio ilegal de arma de fogo, extorsão qualificada, entre outros delitos.
Segundo o processo, foram expedidos mandados de prisão contra 11 policiais civis, 21 PMs — incluindo oito que atuavam na Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae), que acabou sendo extinta; e na Delegacia de Combate a Drogas (DCOD) —, além de 13 ex-policiais e informantes. Na época, Élcio era segundo sargento do 16º BPM (Olaria), mas atuava cedido à Polícia Civil como adido, função muito comum nos anos 2000.
A ocupação profissional dele como motorista de escolta de cargas foi considerada pelos investigadores quando ele passou a ser considerado o condutor do veículo durante o crime.
Queiroz é é filiado ao DEM no Rio de Janeiro. Com inscrição registrada em julho de 2011 e ainda ativa, ele vota na zona eleitoral 214, no Meier, zona norte da cidade, próximo ao local onde reside e foi preso.
O presidente do partido no Estado é o vereador e ex-prefeito Cesar Maia, uma das figuras mais importantes da política fluminense nas últimas décadas. Ele é pai do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, também do DEM-RJ. A reportagem entrou em contato com a legenda e aguarda o retorno.