Era para ser a viagem dos sonhos para 21 católicos de Porto Alegre, a maioria idosos, incluindo uma mulher de 88 anos. O grupo idealizou uma romaria por cidades cristãs. Mas a viagem acabou se tornando um pesadelo. Os devotos enfrentaram dificuldades para percorrer o caminho por causa de suposta fraude envolvendo pacotes de viagens vendidos. Conforme os turistas, as agências não cumpriram com o estabelecido no contrato.
No começo do mês, a Polícia Civil cumpriu ordens judiciais nas agências de turismo e na casa do proprietário das duas empresas, em Dom Feliciano e Camaquã – o nome do dono não foi divulgado. Segundo a polícia, há nove registros de ocorrência contra ele por delitos como estelionato, crime contra a economia popular, ameaça e falsidade ideológica.
Os 21 devotos e o padre José Antônio Sauthier, da Paróquia do Santuário de Santa Rita de Cássia, no bairro Guarujá, na Zona Sul, pagaram entre R$ 12 mil e R$ 13 mil cada um. Com esses valores, teriam direito a transporte (incluindo o aéreo), alimentação, hospedagem e passeios.
Com os pacotes quitados – uma das exigências das empresas –, o grupo iniciou a viagem em 1º de outubro. Após complicações nos voos que os levariam ao Exterior, chegaram a Roma, na Itália. A previsão era de que ficariam três dias no país, mas o tempo foi reduzido para um dia e meio. No Vaticano, realizaram apenas um passeio de ônibus. A frustração maior ocorreu em Cássia, onde nasceu Santa Rita, da qual são devotos.
— A igreja que iriam visitar já estava fechada. Foram para o hotel e, por volta de 2h, foram acordados sob a alegação de que o horário do voo seguinte tinha sido antecipado — diz o advogado Alexandre Beck Leite, contratado por seis integrantes do grupo.
Em determinado momento da viagem, três pessoas tiveram de fazer conexão em Atenas, na Grécia. Os demais foram para a Romênia, onde teriam passado por situações constrangedoras, como interrogatórios policiais. Depois, voltaram a se encontrar em Israel. No país, tudo parecia estar dentro do cronograma, até serem surpreendidos.
— Foram corridos do hotel por falta de pagamento. Inclusive com ameaça de prisão. Por sorte, algumas pessoas tinham levado dinheiro extra e então reuniram US$ 4,5 mil (R$ 17,5 mil) para pagar as diárias — conta o advogado.
No retorno ao Brasil, outro problema: foram compradas apenas sete passagens aéreas de Guarulhos a Porto Alegre. Cartões de crédito de integrantes garantiram a volta dos outros 15.
— Não cumpriram o que foi contratado e submeteram as pessoas a humilhações e constrangimentos. Passaram mais tempo em aeroportos do que passeando — diz.
A reportagem tentou contato com a defesa das duas empresas, mas não obteve retorno.
“Se não pagarem, vão ficar na rua”
Foi a primeira vez que a dona de casa Jorgina Cafruni Gulart, 55 anos, saiu do Brasil. A viagem acabou sendo uma experiência traumatizante. Ela está processando a empresa – a primeira audiência será em fevereiro.
Que impressão que você teve dessa viagem?
Foi uma peregrinação realmente. Sofremos muito. Foi a minha primeira viagem internacional. Então foi frustrante, principalmente na Itália. Queria conhecer Cássia e o Vaticano, mas foi tudo muito corrido. Agora, quando estava olhando as fotos, não lembrava de que havia estado em alguns lugares. Deu branco. Em Israel, como não foi tão corrido, deu para a gente aproveitar um pouco.
Qual foi o pior momento?
O que mais me doeu foi na Romênia. A gente ficou mais de três horas parados ali, no aeroporto, como se fôssemos criminosos, respondendo a interrogatórios. E também lá no hotel, na Palestina (o advogado afirma que foi em Israel), a ameaça no hotel, também como se fôssemos criminosos. Nos diziam: “Se vocês não pagarem, vão ficar na rua”. Como é que iríamos ficar num lugar sem conhecer a língua? Se não fosse a Igreja nos ajudar, ficaria difícil. O bispo de Porto Alegre se sensibilizou com a nossa história, contada pelo padre José (Antônio Sauthier, que fazia parte do grupo). Lá em Nazaré, a acolhida do frei foi importante, pois tinha muita gente que estava no limite.
Que lições você tira desses acontecimentos?
Estou pegando os momentos bons, foi muito tenso, realmente, mas alguma coisa de bom a gente viu e aprendeu. Aprendeu a ser mais esperta, a ver as coisas, averiguar, pesquisar. Até porque esta empresa tem 13 anos no mercado e só de uns dois anos para cá é que começou a ter problemas. Ele (o proprietário) sabia dos problemas e deixou a viagem acontecer e com pessoas idosas. Ele não mediu as consequências.
Vocês acham que foram colocados em risco?
Ele colocou a gente em risco. O guia também estava despreparado. A gente sem saber para onde estava indo, comprando passagens na hora, fazendo correria no aeroporto. Passar por situações que não precisava ter passado. Disseram até que não precisava levar dinheiro. Se levássemos, seria só para a compra de lembranças. Por sorte, não levei o dinheiro contado, levei a mais e, mesmo assim, ficou no limite, porque a gente teve de pagar alimentação e se ajudar na volta.
Precauções
De acordo com o delegado Rafael Liedtke, da Delegacia Especializada na Defesa do Consumidor e da Saúde Pública, a adoção de precauções pode reduzir o risco de golpes ao adquirir pacotes de viagem.
Cuidado com as ofertas – Nem sempre, o menor preço é o mais adequado. Segundo o delegado, promoções muito vantajosas podem ser sinais de golpes.
Consulta ao Procon – O titular da Decon aconselha a realização de buscas ao nome da empresa junto ao órgão de defesa do consumidor, para verificar possíveis registros ou reclamações.
Consulta do tempo da empresa no mercado – Agências com mais tempo de operação e ficha limpa são as mais recomendadas.