Os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) decidiram nesta quarta-feira (7), por maioria, manter o júri do Caso Bernardo em Três Passos. A juíza responsável pelo julgamento dos quatro réus foi quem solicitou para que o local do júri fosse transferido para Porto Alegre.
"Por certo, os fatos imputados aos réus foram os de maior repercussão na história da Comarca de Três Passos. Resta, portanto, evidente que as pessoas da comunidade, juízes naturais dos crimes dolosos contra a vida, tenham, de alguma forma, ouvido conversas ou declinado manifestações sobre os fatos, como também o fizeram os magistrados, os membros do Ministério Público, os advogados e os profissionais do direito e os de diversas áreas do conhecimento", considerou o relator do recurso, desembargador Sylvio Baptista Neto, que também presidente a 1ª Câmara Criminal do TJ.
A juíza Sucliene Engler Werle entende que a transferência do local do júri era necessária para garantir a ordem pública, a imparcialidade do julgamento e a segurança do acusados. Entre os motivos, ela citou um carro de som que circula pela cidade reproduzindo a voz do menino pedindo por socorro, sempre que um ato processual é realizado no município.
O relator citou decisões das cortes superiores a respeito do desaforamento, que se trata de medida excepcional. Afirmou que, apesar de ser inegável a repercussão nacional e internacional do caso, com grande carga de informações, isso não causaria efeito a transferência de local do julgamento.
"Existem fatos que, quando da cobertura de imprensa, passam a ter repercussão geral, com caráter difuso. O chamado 'Caso Bernardo', como o da 'Boate Kiss', o 'Caso Nardoni', o 'Caso Bruno' (...). Por certo que as mesmas informações que possuem a pessoas que vivem na Cidade de Três Passos, também, possuem as que residem na região, as de nosso Estado e de nosso País (...). Assim, o deslocamento do julgamento, ferindo o princípio do juiz natural, praticamente teria o mesmo efeito, pois se o julgamento fosse marcado para uma Comarca próxima ou na Capital, também haveria movimento midiático, envolvimento social, manifestações e outros episódios como os destacados na representação", considerou o desembargador.
Quanto à estrutura do Salão do Júri da Comarca, considerado pequeno para comportar um júri de grande repercussão, o relator considerou que cabe ao juiz presidente manter a sobriedade do julgamento.
"O que vai ocorrer na sessão do júri é um julgamento, apenas, e não um espetáculo midiático. Todos nós sabemos que o Tribunal do Júri comporta, pela dialética e pela forma, a transformação da Sessão em espetáculo, muitas vezes, onde, pela atenção midiática, as partes procuram sobrepor os seus talentos personalíssimos. Todavia, essa é uma das funções do juiz presidente, que deve impedir que a sobriedade e que a seriedade do julgamento pelo Tribunal do Júri se transforme em espetáculo."
Também, em relação à segurança dos réus asseverou que cabe ao Estado zelar pela segurança de todos, como ocorreu ao longo da instrução do processo.
"Os réus estão hoje sob proteção do Estado, nos últimos quatro anos eles participaram de toda a instrução do processo sob proteção do Estado e, também, participaram de audiências e atos judiciais sob a proteção do Estado"
O desembargador Manuel José Martinez Lucas acompanhou o voto do relator.
Divergência
O desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto divergiu dos colegas, votando em favor do pleito da juíza.
"Não há como identificar se algum dos possíveis jurados, que serão sorteados na sessão plenária, não participou das manifestações anteriormente realizadas na cidade; não tenha se manifestado nas redes sociais sobre o fato ou que tenha algum vínculo com as pessoas ouvidas na fase inquisitorial e processual, o que causa a dúvida sobre a imparcialidade do júri, principal motivo para o pedido de desaforamento, pois fere diretamente o princípio constitucional do juízo natural. Não há, pois, possibilidade de haver um julgamento justo com o corpo de jurados parcial", sustenta o desembargador.
O Ministério Público (MP) se manifestou contrário à mudança de local para julgamento, entendendo que deveria ser mantido em Três Passos. Os réus Leandro Boldrini, Graciele Ugulini e Edelvânia e Evandro Wirganovicz seguem presos desde 2014.