Cimento, poeira, pedreiros, engenheiros, arquiteto e barulho. Próximo à entrada de Porto Alegre, um prédio de sete andares toma forma. Em construção, o edifício que custará
R$ 28,9 milhões é uma das promessas para mudar o cenário da perícia criminal no Estado. Hoje, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) convive com falta de funcionários, com fechamento de unidades no Interior e com mais de 16,4 mil perícias atrasadas nos últimos seis meses.
O contrato para construção do prédio foi fechado em 2015, com previsão de término das obras para 2017. Naquele ano, foi assinado um aditivo, permitindo que o Estado não perdesse a verba federal. Agora, a obra deve ficar pronta em fevereiro de 2019.
A intenção é centralizar serviços e economizar quase R$ 1 milhão por ano após a saída de espaços alugados. O Departamento de Criminalística, por exemplo, está em um prédio locado de três andares na região central de Porto Alegre, desde 2014.
Conforme a supervisora técnica substituta do IGP, Carine da Silva Azambuja, a economia com o aluguel vai permitir que esses recursos sejam reinvestidos.
— Apesar de o dinheiro do aluguel não ser o mesmo da compra de materiais, essa economia possibilita maior investimento em materiais de consumo, como os utilizados nas análises de laboratórios — observa a perita criminal do IGP.
Três andares serão reservados apenas para laboratórios, mas também haverá outros espalhados pelo edifício (veja gráfico). Um deles será destinado para a análise de incêndios, explosões e desabamentos. Outro espaço terá foco em acidentes de trânsito. O segundo pavimento será praticamente exclusivo para a balística.
Ali, haverá quatro salas de disparo, com linhas de tiro. Três delas são menores e outra mais larga, para simular rajadas a distância. Uma também será usada para demonstrar disparos na água. Conforme o arquiteto e responsável pela obra, Júlio Cesar Amantéa Ferreira, essas salas receberão revestimento especial, com blocos duplos de concreto e chapas de ferro. A proposta é evitar que um projétil escape para o lado de fora do prédio.
— Os blocos de concreto têm resistência superior ao normal e são duplos para dar mais segurança, assim como as chapas de ferro — explica Ferreira.
Alguns laboratórios, como o de química, devem receber pisos uretânicos (com resistência química e a atritos) que vão servir para evitar a proliferação de bactérias, por exemplo.
A obra está 40,6% pronta. Hoje, pelo menos 80 operários trabalham no local. No próximo mês, o ritmo será acelerado e 150 pessoas atuarão na construção. É que está previsto para maio o começo dos acabamentos da rede elétrica, da instalação de tubulação de gases e forros internos.
800 funcionários poderão atuar no local
Após a entrega do prédio, em fevereiro de 2019, a mudança e ocupação dos espaços devem ser gradativas. Segundo a supervisora técnica substituta do IGP, alguns laboratórios situados em espaços alugados atualmente têm produtos químicos e equipamentos especiais, que requerem cuidados especiais na transferência.
Para Carine, a centralização das atividades no prédio vai permitir maior rapidez para a realização dos laudos periciais, reduzindo o tempo de deslocamento dos servidores envolvidos no cumprimento da mesma solicitação. No prédio, devem trabalhar 800 funcionários entre papiloscopistas, fotógrafos, peritos, técnicos e agentes administrativos.
— Atualmente, temos cerca de 15 mil solicitações mensais de perícias. Sabemos que pode haver consequente ampliação na quantidade de laudos expedidos, mas não sabemos ainda em números — enfatiza.
Déficit de servidores no instituto é de 62%
Para o presidente do Sindicato dos Servidores do IGP (Sindiperícias), Henrique Bueno Machado, o prédio vai permitir a concentração de vários setores em um mesmo lugar, que hoje estão espalhados pela Capital.
— Estar em um único endereço sempre ajuda, pois permite intercâmbio de informações entre as equipes e facilita a logística.
O sindicalista pondera que, apesar da nova estrutura, é preciso recompor o quadro de servidores. Na última quinta-feira, o governo anunciou a convocação de 106 aprovados do último concurso: são 35 peritos criminais, 35 peritos médico-legistas e 36 técnicos em perícias. Com os novos funcionários, o índice de "efetivo ideal" passará dos atuais 38% para 44%, de 648 para 754 servidores, de acordo com Machado. Por lei, o instituto deveria ter 1,7 mil vagas previstas.
Machado é presidente do sindicato desde 2014, mas é servidor no IGP há 20 anos, passando por diferentes laboratórios:
— A situação sempre foi precária. Com construção do prédio, irá resolver as condições de trabalho.
Para o diretor do Departamento de Homicídios, delegado Paulo Grillo, a construção irá trazer melhorias ao já qualificado trabalho da perícia.
— Nossa relação com o IGP é estreita e com o trabalho deles conseguimos solucionar muitos casos, pois o material genético, papiloscópico e do banco genético é uma das provas mais importantes para a solução de crimes — analisa.
Conforme Grillo, quando há necessidade de priorizar alguma investigação, os pedidos são prontamente atendidos pelo IGP, apenas havendo pequena demora nos resultados de balística, segundo ele, devido à alta demanda.
Hoje, famílias esperam laudos durante meses
A rapidez no atendimento poderá encurtar o sofrimento de famílias que aguardam por perícia criminal no Rio Grande do Sul. Em 2017, a auxiliar de recursos humanos Sandra de Vargas Cordeiro, 39 anos, teve de esperar três meses para conseguir o laudo de necropsia de seu filho, Eduardo Cordeiro Vigil, 20, após um acidente de trânsito.
– Foi um transtorno muito ruim. Quando ele faleceu, me prometeram o laudo para 20 dias e aquilo se arrastou por meses. Precisava do laudo para dar entrada no DPVAT e pagar a funerária. No fim, acabei passando por mal-educada – conta a mulher.
Após o acidente, em maio, Eduardo ainda ficou internado por dois meses em atendimento na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) de um hospital de Porto Alegre. Durante o período, a família, que é de Bagé, precisou se dividir entre as duas cidades.
Em 13 de julho, Eduardo acabou morrendo. Por ter falecido em decorrência de um acidente de trânsito, o corpo precisou passar por perícia na sede do DML, em Porto Alegre.
– Aquele dia cheguei ali às 6h e só liberaram o corpo às 18h. Além de perder meu único filho, tive de resolver coisas e só esbarrei em burocracia.