Fazia dois meses que os investigadores do Denarc estavam no encalço da facção criminosa que planejava tomar os pontos de tráfico entre os bairros Humaitá e Vila Farrapos com o uso das 13 pistolas de fabricação turca, e cerca de duas mil munições calibre 9mm, apreendidas na noite de quarta nas proximidades da Arena do Grêmio. Os alvos dos criminosos estavam especialmente entre as vilas Mario Quintana, Pampa e Liberdade, nos arredores do estádio, que têm o tráfico de drogas controlado por uma facção rival. Disto, a polícia já sabia, mas o que os investigadores não suspeitavam, até horas antes da partida decisiva pela Recopa, na noite de quarta-feira (21), é que a estratégia fosse tão ousada.
O plano dos criminosos, de acordo com o delegado Rafael Soares Pereira, era se aproveitar da movimentação do público para despistar sobre a presença dos "soldados" praticamente dentro do território inimigo. Para a entrega das armas, usaram um carro que não levantaria praticamente nenhuma suspeita — modelo antigo de Corsa —, com duas mulheres sem qualquer antecedente criminal.
— Era momento de chegada do público ao estádio. Qualquer engarrafamento provocado por uma eventual abordagem do policiamento a um carro suspeito causaria um enorme transtorno. Os criminosos contavam com isso para passarem despercebidos —explica o delegado.
Por isso, os agentes aproximaram-se das duas mulheres com viaturas discretas e sem identificações visuais de policiais.
— Sabíamos que estavam com as armas, então o risco de haver algum disparo naquele ambiente era muito perigoso. Agimos de forma bastante controlada e não houve qualquer resistência— aponta Pereira.
Se a polícia não tivesse frustrado o ataque, a suspeita é de que, durante o jogo as armas fossem distribuídas por um número ainda desconhecido de integrantes da facção. Eles esperariam pelo fim do jogo e a dispersão do policiamento mobilizado para o jogo, e só então, provavelmente durante a madrugada, um "bonde" — como são chamados os comboios de ataque das facções criminosas em territórios rivais — invadiria a vila.
— Seria, provavelmente, um momento de distração dos traficantes locais. Ainda estamos apurando quem participaria do ataque e os alvos que atingiriam, mas suspeitamos que tinham alguma informação sobre local onde encontrariam o bando rival reunido após o jogo — diz o responsável pela investigação.
Ataque estratégico
De acordo com o diretor de investigações do Denarc, delegado Mario Souza, ação que teria partido do bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre, difere de outros conflitos entre facções na Capital e Região Metropolitana.
— Não era um ataque por rivalidade, ou simplesmente por ódio. Era uma ação comercial estratégica do tráfico de drogas. O objetivo era tomar território —assegura.
Na avaliação dos investigadores, aquela região da Capital abriga provavelmente o segundo maior ponto de distribuição de drogas de Porto Alegre — atrás somente da Vila Nazaré, no bairro Sarandi. Investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal apontavam a Vila Mario Quintana como um entreposto de cargas de cocaína para a cidade, o Vale do Sinos e até o interior do Estado.
— A localização, que antigamente já facilitava o crime por estar em uma região na entrada da cidade, com acesso facilitado por rodovias e para toda a Região Metropolitana, com a construção da Arena, também virou um local com tráfico de drogas intenso, e de todos os tipos de drogas. Controlar essa área é estratégico para o crime — avalia o delegado Rafael Pereira.
Em 2008, a Operação Poeta, comandada pela PF, revelou as lideranças do tráfico naquela área. Nos anos seguintes, pelo menos outras duas operações do Denarc demonstraram as relações dos criminosos locais especialmente com uma facção criminosa originária do Vale do Sinos.
A importância da região no mundo do crime é tamanha que os presos dali comandam, historicamente, uma galeria no Presídio Central. Pelo menos desde 2015, a facção criminosa originária do bairro Bom Jesus almejava o controle daquela galeria, que chegou a ser negociada por um dos antigos líderes do tráfico local, mas não se concretizou. A polícia não descarta que esta disputa tenha motivado o plano da noite de quarta.