Criticada por seu conteúdo, três questões de uma prova para ingresso na Brigada Militar não apresentariam restrição legal para terem sido feitas. É o que garantem dois advogados consultados por GaúchaZH.
— Via de regra, não há legislação específica para não se fazer esse tipo de questionamento – observa Mateus Marques Conceição, advogado criminalista e professor de Direito Penal na Fundação do Ministério Público (FMP).
Para Juarez Freitas, professor de Direito Administrativo da UFRGS e da PUCRS o Judiciário só iria anular as questões caso configurassem flagrante ilegalidade. Por exemplo, uma questão no qual o gabarito estivesse errado e a banca se negasse a desconsiderá-la.
— Em um dos casos que a Justiça aceitou e anulou questões (em outro concurso), eles cobravam um determinado prazo, que estava errado no gabarito — salienta o professor.
A prova, realizada no último domingo (17), foi organizada pela Fundatec. Agora, o comando da BM estuda cancelar de três a cinco questões da prova. A decisão está sendo avaliada pela assessoria jurídica da corporação, após diversos relatos em redes sociais.
Em uma das perguntas, de número 44, o questionamento é: "Em julho de 2017, o governo do Estado anunciou a abertura de 6,1 mil vagas para reforçar a segurança pública no RS. (...) Quem era o secretário à frente da Secretaria da Segurança Pública (SSP) quando essa medida para reduzir o déficit de pessoal nos órgãos pertencentes à segurança pública foi instituída"? As cinco opções de resposta oferecidas foram: Airton Michels, Wantuir Jacini, José Paulo Cairoli, José Ivo Sartori e Cezar Schirmer — sendo este último, a alternativa correta e a que constava no gabarito como tal.
Outra questão salienta que, após a morte da representante comercial Cristine Fonseca Fagundes houve uma "revolução" na área da segurança no Estado. Entre as alternativas estava que, na época, foi anunciado o Comitê de Gestão da Segurança Pública e que o ex-secretário Wantuir Jacini pediu demissão.
Para Conceição, as questões apresentam "conteúdo político" e não verificam a aptidão do candidato para ocupar o cargo.
— Não crio concurso para saber o que o governo está fazendo para diminuir o déficit carcerário. Mas para verificar conhecimento técnico. É uma infelicidade esse tipo de concurso, que é passível, caso alguém entre com recurso, de anulação.
Já Freitas entende como "forte inconveniência" as questões da prova.
— A informação, por mais relevante que possa ser, é de escassa valia em termos de aferição de conteúdos realmente necessários à vida concreta do concursando, na vida pública. E ademais, existe outro aspecto: a administração pública deve ser norteada pela impessoalidade. E esse tipo de questão não logra pertinência nesse concurso.
Candidatos podem procurar banca e Justiça
Conceição salienta que os candidatos podem entrar com recurso e solicitar a anulação da questão à banca organizadora do concursado.
— Eles podem alegar que esse tipo de questionamento é meramente político, não técnico para alguém que vai exercer um cargo tão importante — diz o professor da FMP.
Além disso, os candidatos podem procurar a Justiça, caso a banca se negue a anular as questões. Segundo o professor, os participantes teriam de ingressar no Juizado de Admissibilidade, que julgará se a questão é apta ou não.
A alternativa de procurar o Judiciário é considerada a mais difícil por Freitas.
— O Judiciário não costuma adentrar nesse tipo de julgamento. O Judiciário dificilmente acolheria por não se enquadrar como flagrante ilegalidade.
Para Conceição, as questões não poderiam ser consideradas de conhecimento geral.
— Conhecimento de atualidade e gerais são diferentes de manifesto político partidário, que não está inserido dentro de edital. É cabível de anulação — salienta Conceição.
O Ministério Público também foi procurado por GaúchaZH. O órgão informou, por meio da assessoria de imprensa, que é possível abrir um expediente para avaliar as questões por meio da Promotoria de Patrimônio Público. Entretanto, até o final da tarde desta segunda-feira, isso não tinha sido feito.
Governo estudar cancelar questões
O comando da Brigada Militar estuda cancelar de três a cinco questões da prova. A decisão está sendo avaliada pela assessoria jurídica da corporação, após diversos relatos em redes sociais. Em entrevista nesta segunda-feira (18) ao Gaúcha Atualidade, o comandante-geral da BM disse que tanto a corporação quanto membros do governo do Estado foram "surpreendidos" pelas perguntas.
— Fomos surpreendidos pelo conteúdo, que chega a ferir o princípio da impessoalidade, citando autoridades que estão ou estavam até recentemente no cargo — afirmou o coronel Andreis Dal'Lago.
Contraponto
A Fundatec se manifestou sobre a polêmica nesta segunda-feira. Também em entrevista ao Gaúcha Atualidade, o presidente da fundação negou que tenha havido direcionamento político ou orientação da Brigada. Segundo Carlos Henrique da Cunha Castro, as perguntas foram elaboradas por bancas independente com base nas diretrizes do edital.
— Não há orientação política alguma, nem do presidente da fundação nem de quem acompanha as bancas. Nossos clientes são de todos os partidos políticos — afirmou Castro.
Para o presidente da Fundatec, críticas são aceitas e as questões polêmicas devem ser discutidas. Mas defende que as perguntas não sejam anuladas.
— Faz parte do processo seletivo que tu tenha um conhecimento e esteja atualizado dos fatos que ocorrem atualmente — destacou.
Carlos Henrique da Cunha Castro afirmou ainda que a fundação não pretende ter a iniciativa de anular as questões e irá aguardar os eventuais recursos dos candidatos.