O vídeo de um rodízio de cocaína no pátio do Presídio Estadual de Bento Gonçalves, flagrante de quarta-feira, é mais um sinal da influência de facções nas casas prisionais do interior. A despreocupação dos detentos no pátio demonstra as dificuldades que a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) tem para controlar cadeias superlotadas. Hoje, o presídio de Bento abriga 330 apenados em um espaço idealizado para 96 pessoas. Na manhã desta quarta, uma revista geral foi realizada na casa prisional e 10 lideranças negativas foram transferidas. Foram apreendidos diversos artigos proibidos na cadeia, principalmente drogas e celulares, porém, a Susepe não divulgou o balanço do pente-fino.
A ação desta quinta foi a resposta do Estado à farra na cadeia, principalmente nas últimas semanas. A situação do presídio de Bento Gonçalves estava insustentável desde o mês passado, alertavam agentes penitenciários e policiais militares que realizam a guarda externa. O ápice ocorreu no dia 2 de novembro, quando um princípio de rebelião foi contornado pela direção da casa. Os detentos se recusaram a voltar às celas antes de apresentar uma lista de reivindicações aos diretores. As exigências feitas na ocasião não foram divulgadas.
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Outro tumulto para reclamar da dinâmica da casa havia ocorrido em 18 de outubro, quando os detentos chutaram as portas das celas. Em ambos os protestos, foram ouvidos gritos dos números 14-18-12, uma referência a uma facção da Região Metropolitana. Recentemente, detentos começaram a chamar os nomes dos brigadianos que fazem a guarda das muralhas, uma forma de ameaça aos policiais.
_ Cocaína, maconha, celulares e estoques (faca artesanal) são comuns de ver no pátio (do presídio). Todos sabem, mas nada é feito. Estamos fazendo de conta que o Estado está presente _ relata um policial militar.
O trabalho de inteligência da Brigada Militar (BM) identificou um suposto líder deste movimento dentro do presídio. O detento de 29 anos possui uma extensa ficha criminal, com passagens por roubos de veículo, assalto a mercado, porte ilegal de arma de fogo e receptação. Seu primeiro crime registrado remete a 2008, quando assaltou um posto de gasolina na BR-470 com três comparsas. O criminoso já passou pelas cadeias de Caxias do Sul e Nova Prata.
_ Foi visualizado que ele tem uma certa liderança e o removemos _ diz o diretor do presídio, José Marcio da Rosa Oliveira, que confirmou a transferência do suposto líder do movimento.
Os agentes penitenciários, no entanto, ainda questionam a presença dessa facção dentro do presídio. Eles relatam que seria apenas uma meia dúzia de detentos que se dizem dessa facção. Os servidores desconfiam que o nome da organização criminosa é utilizado sem autorização, o que poderá resultar em cobranças e mais homicídios nas ruas. O ano já é o mais violento da história de Bento Gonçalves, com 27 assassinatos.
Enquanto recolhidos, porém, esses apenados desfrutam de poder e regalias que a fiscalização não deveria permitir. As irregularidades são do conhecimento da direção da casa prisional. O problema, mais uma vez, é o baixo número de servidores da Susepe no presídio. Há muitos turnos em que apenas três agentes estão disponíveis para movimentar os mais de 320 detentos.
_ Já trabalhei em condições ruins, mas nunca igual ao que está hoje. A falta de segurança é total _ lamenta um agente penitenciário.
É o que comprova o vídeo da farra da cocaína, feito na véspera da operação policial. Nas imagens, diante de vários outros apenados, dois homens fazem carreiras de cocaína. O primeiro, de camiseta verde, apoia uma prancheta, enquanto um segundo preso, de camisa listrada, usa um canudo e depois um cartão para dar forma às carreiras de pó. O detento de listrado cheira a cocaína e passa a droga a um detento de camisa da Seleção Brasileira. Esse terceiro também usa a droga. O vídeo termina com os dois detentos que cheiraram o pó fazendo um cumprimento comemorativo. Os três homens que aparecem no vídeo manipulando a droga estão sendo identificados pela direção da casa prisional, responderão a processo disciplinar e sofrerão as sanções cabíveis, informa o delegado substituto da 7ª Delegacia Penitenciária Regional (7ª DPR), Marco Antônio da Silva. Entre as punições pode estar a transferência.