As últimas duas semanas têm repetido uma rotina de pânico na Vila Maria da Conceição, no bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre. Quatro pessoas foram mortas e pelo menos cinco ficaram feridas a tiros neste período.
– Quando escurece, tem de se fechar em casa e torcer para nada acontecer. A gente nunca sabe quando um carro pode entrar aqui e saír atirando para tudo que é lado. Nem os bares ficam abertos depois das oito da noite – diz um morador de 52 anos.
Outra moradora, de 65 anos, na manhã desta quarta-feira, carregava o que conseguia em sacolas. Havia decidido deixar a casa no coração da vila para ficar na residência de parentes, em outro ponto da vila. A vontade, revela, era ter dinheiro para alugar uma moradia fora dali.
– Não tem como viver desse jeito. É tiro toda hora, de todo o lado. Eles (traficantes) não têm mais nenhum respeito com o morador – desabafa.
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As casas com placas de "Vende-se" acumulam-se entre as vielas. Fenômeno multiplicado a partir do dia 23 de agosto, quando João Carlos da Silva Trindade, o Colete, apontado pela polícia como um dos líderes do tráfico na região, foi executado dentro da casa da mãe, na Rua Barão do Amazonas, justamente no coração da vila.
Mesmo ainda sem conclusão nas investigações, o delegado Rodrigo Reis, da 1ª Delegacia de Homicídios de Porto Alegre (DHPP), confirma que as três mortes que se seguiram desde então foram consequência do primeiro assassinato – pelo menos uma vítima, Alexandre Vieira da Silva, sequer tinha relação com a criminalidade.
O policiamento é mantido reforçado na vila, mas as autoridades estão em alerta para pelo menos outras duas regiões da cidade: o bairro Restinga e a Vila Cruzeiro.
– O melhor é que a Brigada Militar consiga permanecer na região o máximo de tempo possível, e que consigamos retirar armas de circulação. Estamos atentos para todos os possíveis movimentos dos grupos criminosos que atuam na Vila Maria da Conceição. Além de investigarmos os envolvidos diretos nos homicídios, estamos mapeando as lideranças e as alianças de cada uma delas – explica o delegado.
Segundo o policial, ainda não foram constatados crimes nessas regiões relacionados à execução de Colete, mas, dentro do Presídio Central, na galeria ocupada pelos traficantes da Vila Maria da Conceição, 164 detentos ligados a uma quadrilha da Vila Cruzeiro, foram expulsos pelas lideranças atrás das grades.
– Entre as facções, o que acontece na rua, reflete dentro da prisão. E o contrário também. Sabíamos que o Colete mantinha o diálogo entre esse grupo da Cruzeiro com as demais lideranças da Maria da Conceição – aponta Rodrigo Reis.
No último sábado, foi justamente na Cruzeiro, no bairro Santa Tereza, que a polícia prendeu um taxista e outros quatro homens com os dois carros suspeitos de terem sido usados na morte do adolescente Dênis Raphael Guterres, 16 anos, na noite de sexta, na Vila Maria da Conceição.
Ele foi atingido por tiros na Rua Paulino Azurenha e outras duas pessoas ficaram feridas. Segundo o delegado, ainda é apurada possível relação do adolescente com o tráfico de drogas.
– Já sabemos que os dois feridos não tinham nada a ver com a criminalidade. Foram atingidos a esmo por criminosos em dois carros – diz o responsável pela investigação.
As mortes
João Carlos da Silva Trindade, o Colete – Foi executado na casa da mãe, na Rua Barão do Amazonas, dia 23 de agosto, por um grupo de homens armados que entrou no local. Polícia acredita que tenha sido morto por um desacordo entre lideranças do tráfico na Vila Maria da Conceição. Não há suspeitos.
Alexandre Vieira da Silva – Foi morto a tiros na Rua Paulino Azurenha, dia 28 de agosto, por um grupo que passou pelo local em um carro atirando a esmo. Uma mulher foi ferida por bala perdida. Não há suspeitos.
Dênis Raphael Guterres – Foi morto a tiros por um grupo de criminosos em dois carros, dia 1º de setembro, na Rua Paulino Azurenha. Duas pessoas também ficaram feridas. Na manhã de sábado, cinco pessoas foram presas e os dois carros usados no crime encontrados na Vila Cruzeiro.
Adão Adilson Ferreira da Silva – Foi executado dentro de casa, na Rua Paulino Azurenha, por homens que invadiram o local e ainda deixaram um casal ferido. A polícia investiga o envolvimento dele com o tráfico de drogas na vila.