– No tempo "do homi" não era assim.
A frase, dita na mesa de um bar da Vila Maria da Conceição, no bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre, na manhã desta quarta-feira, retrata o sentimento de insegurança vivido nos últimos quatro anos pelos moradores da região, já acostumados a conviver com a dinâmica imposta pelo tráfico de drogas.
O medo de tiroteios nos confrontos entre criminosos está agravado nas últimas duas semanas. Desde a execução de João Carlos da Silva Trindade, o Colete, apontado pela polícia como um dos líderes do tráfico na vila, no último dia 23 de agosto, outros três homens já foram mortos e cinco pessoas baleadas.
Nos últimos dias, o policiamento é mantido reforçado na região e as atenções das autoridades estão voltadas para pelo menos outras duas áreas da Capital: o bairro Restinga e a Vila Cruzeiro, onde o confronto pode ter desdobramentos.
– O melhor é que a Brigada Militar consiga permanecer na região o máximo de tempo possível, e que consigamos retirar armas de circulação. Estamos atentos para todos os possíveis movimentos dos grupos criminosos que atuam na Vila Maria da Conceição. Além de investigarmos os envolvidos diretos nos homicídios, estamos mapeando as lideranças e as alianças de cada uma delas – explica o delegado Rodrigo Reis, da 1ª Delegacia de Homicídios de Porto Alegre (DHPP).
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A partir de 2013, episódios como o de Alexandre Vieira da Silva, 38 anos, morto com tiros na cabeça quando buscava uma cerveja no bar e deu o azar de cruzar com o carro de atiradores, na noite de 28 de agosto deste ano, se tornaram rotineiros. Alexandre era amigo da turma do bar. Nunca teve envolvimento com o tráfico. De acordo com a polícia, foi vítima de mais uma demonstração de poder de criminosos que transformaram a Maria da Conceição em campo de batalha.
– É tiro toda hora, até a padaria, o bar, tudo aqui de dentro estão assaltando. Isso nunca acontecia – diz um morador de 50 anos.
Na lembrança dos frequentadores do estabelecimento estava o período em que a venda de drogas – e praticamente todos os serviços da Vila – eram garantidos pelo traficante Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão da Conceição.
Preso em 2010, em um apartamento à beira mar, no Rio de Janeiro, a partir dos anos 1990 ele criou e controlou um verdadeiro império da droga na zona leste da Capital. Região marcada por vielas e moradias irregulares, a vila era um porto seguro para os negócios criminosos. Conforme denúncia do Ministério Público, controlado por Paulão, o tráfico chegava a lucrar R$ 1,2 milhão por mês. Era o ponto de tráfico mais lucrativo de Porto Alegre.
Algo que, segundo a polícia, ficou no passado. De acordo com o diretor de investigações do Denarc, delegado Mario Souza, as investigações demonstram que a região perdeu em importância e visibilidade. Com os constantes confrontos e desacertos entre líderes do tráfico, boa parte dos usuários foram afugentados. Sem lucro significativo nem hegemonia, a violência cresce.
Quatro pontos de tráfico na Vila
Historicamente, o tráfico dividiu a Vila Maria da Conceição em quatro grande pontos de tráfico. Mesmo preso, Paulão mantinha, até 2013, superioridade hierárquica sobre os gerentes de cada uma dessas regiões. Os rendimentos lhe garantiam ainda independência em relação às demais facções da Região Metropolitana.
Uma rebelião interna na quadrilha – reforçada pela influência de facções criminosas de outras regiões – derrubou aquele império em uma violenta guerra. Diversos dos seus familiares, e praticamente todos os antigos aliados mais próximos de Paulão foram eliminados. Durante algum tempo, o policiamento foi reforçado na região e a guerra daquele ano cessou.
Mas era questão de tempo. A Vila de moradias irregulares, famílias pobres e poucos serviços públicos não passou às mãos do Estado, mas de outros traficantes. Em novo estilo de comando.
– Cada região da Vila é controlada por uma liderança. Como já não existe aquela figura do patrão, o equilíbrio entre eles fica condicionado a acordos e, geralmente, a negócios associados, que podem ser a compra de drogas ou armas. Quando há desacordo, voltam os conflitos – explica o delegado Rodrigo Reis.
Desde a guerra que derrubou o comando de Paulão, foram pelo menos dois períodos de confronto aberto entre as lideranças que tinham apoio de grupos armados de fora da Vila Maria da Conceição.
Histórico da Vila
1) A partir dos anos 1990, sob comando de Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão da Conceição, foi consolidado um império da droga na vila do bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre, que chegava a lucrar R$ 1,2 milhão por mês. Crescimento que durou até a prisão do patrão, em 2010, quando estava foragido no Rio de Janeiro. Durante três anos ele ainda teria exercido o controle absoluto do tráfico na região. Ele segue preso na Pasc.
2) Em 2013, depois da morte de um dos gerentes de maior confiança de Paulão da Conceição, há um racha no primeiro escalão da quadrilha e um grupo, que tinha João Carlos da Silva Trindade, o Colete, como expoente, passa a executar familiares e aliados mais próximos do antigo líder até controlarem a vila. Os pontos de tráfico foram divididos entre os novos líderes aliados.
3) Entre 2015 e o início de 2016 estoura o primeiro desacerto entre as lideranças. Um grupo, reforçado por traficantes da Vila Resvalo, no bairro Cristal, ataca os rivais e há disputa com tiroteios e mortes. O líder insurgente acaba expulso da Vila Maria da Conceição e o confronto termina.
4) Em agosto de 2017, Colete é executado na Vila Maria da Conceição. Ele, até então, controlava um dos pontos de tráfico da região e recebia o suporte de criminosos da Vila Cruzeiro. A polícia suspeita que houve um desacerto financeiro entre ele e outros líderes. Desde então, outras três pessoas já foram mortas e cinco baleadas.