O fato de dois órgãos diferentes – Polícia Federal e Exército – serem responsáveis pelas autorizações para posse e porte de armas é apontado pelo especialista em segurança pública Guaracy Mingardi como um dos motivos para o aumento das licenças para esporte e caça.
– Somente a Polícia Federal deveria regular, pois o Exército não consegue fazer esse controle. As pessoas estão tentando conseguir arma em algum lugar. Quando não conseguem, tentam em outro. É isso – pontua Mingardi.
Superintendente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Rio Grande do Sul, Cláudia Pereira Costa diz estar impotente em relação à fiscalização. O relatório anual exigido com informações sobre a quantidade de animais abatidos pode indicar apenas que a pessoa habilitada não caçou no período:
– Não sabemos quem recebe o certificado de registro (CR) de caçador. Esta informação só chega ao Ibama quando a pessoa se cadastra. Podem estar comprando armas para ter em casa e usando essa atividade como desculpa.
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As exigências, aliadas ao cruzamento de informações entre clubes, Exército e federações minimizam, segundo o presidente da Federação Gaúcha de Tiro Prático, Ricardo Luiz Wurdig, o risco de fraude no sistema militar:
– Pela burocracia, acho pouco provável que estejam burlando, mas não posso dizer que não aconteça.
Wurdig considera mais fácil a aquisição de armamento via Exército do que pela PF, e diz que, pelo menos durante os três anos de validade do CR, mantendo-se filiado à federação, é possível ficar com a arma apenas para defesa pessoal. Depois, sem frequência em provas e treinos, a renovação emperra.
– A compra, sim (é mais fácil via Exército). Mas a manutenção, não. O Exército segue controlando por meio de comprovantes, como o de habitualidade e de ranking, que precisam ser entregues a cada renovação – explica.
Integrante do movimento Armas pela Vida, João Pedro Petek discorda que pessoas estejam buscando no Exército um atalho para conseguir armas para defesa pessoal. Para ele, o interesse pelos esportes de tiro, que deu a primeira medalha ao Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, e de caça, aumentou, justificando as emissões.
– Conseguir arma pelo Exército é tão ou mais difícil do que pela Polícia Federal. Sem falar de toda a documentação, que é cara e demorada. Depois tem de participar de provas e treinos. Ninguém iria se indispor com o Exército. Ter arma em casa pode ser uma vontade secundária para quem começa a caçar ou atirar, mas não a principal – acrescenta o advogado.
Chefe da Seção de Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 3ª Região Militar, coronel Leo Ivar Flores Júnior, compartilha o mesmo pensamento, mas admite possíveis falhas:
– O gaúcho gosta do tiro. E tenho impressão de que a liberação da caça do javali tem contribuído para o aumento.
Conforme o Ibama, no fim de julho, 7.283 pessoas estavam aptas a caçar javali, seja com arma, armadilha ou outros meios. Em dezembro de 2016, eram 4.169. Em 2015, 2.682. Assim como Petek e Flores Júnior, o presidente da Federação Gaúcha de Tiro Prático acha que as pessoas descobriram o esporte. Porém, nem na categoria de tiro nem na de caça houve explosão de novos participantes.