A redução de homicídios nos últimos três meses em Caxias do Sul destoa do cenário de violência estadual e surpreende até as forças policiais. Foram 14 mortes por violência entre março e maio, ou menos da metade do que foi registrado no mesmo período do ano passado, que teve 31 casos. Os números atuais remetem à violência do início dos anos 2000, quando a média era de cinco assassinatos por mês. Como a realidade não se alterou, a economia e a política seguem instáveis e as leis continuam "brandas", a explicação parece ser a ofensiva policial dada ao tráfico de drogas.
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Operação Fratelli indicia facção criminosa que domina o tráfico em cinco bairros de Caxias do Sul
Facção criminosa que domina bairros de Caxias planejava matar policiais
Deflagrada em 18 de abril, a Operação Fratelli identificou e desarticulou uma facção criminosa que domina o tráfico de drogas em cinco bairros da cidade. A quadrilha teve comprovada participação em dois assassinatos, de Paulo Sérgio Pereira no bairro São Pelegrino em janeiro de 2016 e de um adolescente de 14 anos em setembro. Contudo, o nome dos líderes da facção surgia nos bastidores na maioria dos homicídios que estavam relacionados ao tráfico.
– Informações populares e anônimas apontavam que poderia haver uma disputa de tráfico em determinados locais e dois nomes (dos líderes da facção) apareciam constantemente. Contudo, a Delegacia de Homicídios não tem efetivo para avançar uma investigação deste porte e nunca foi comprovado nada. Por isso, a Delegacia Regional e a Defrec (Delegacia de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas) investigaram esta associação criminosa – aponta o delegado Rodrigo Kegler Duarte, titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa.
A investigação da Operação Fratelli identificou 19 membros da facção que tinha base na Galeria A da Penitenciária do Apanhador, onde dominava e traficava. A Polícia Civil recomendou a transferência de 13 detentos, apontados como lideranças da quadrilha, o que foi acolhido pela Justiça. A Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) priorizou casas prisionais de maior segurança para dificultar o acesso dos investigados a celulares.
Na deflagração da operação, os delegado regional Paulo Roberto da Rosa apontava que, nos últimos meses da investigação, os líderes da facção perceberem o cerco policial e determinaram a redução nas ações do bando. Com as dificuldades de comunicação ocasionadas pelas transferências, houve sensível redução na disputa por pontos de tráfico. Assim, a média de uma morte a cada dois registrada em 2016 – ano recorde com 150 vítimas – despencou para um assassinato por semana nos últimos três meses.
Especialista em Ciências Sociais na área de segurança pública, o professor Charles Kieling não tem dúvidas que a redução dos homicídios foi um efeito direto da Operação Fratelli. Ele afirma que a investigação desenvolvida pela Polícia Civil de Caxias do Sul foi diferenciada e atacou a essência da criminalidade na região.
– É o único fato social que repercutiu na da Serra e acabou desarticulando toda a questão tática da criminalidade na região. Os nossos estudos já estavam vendo esta grande rede se formando e a necessidade de atacar o topo, que foi o trabalho realizado – opina.
"75% dos homicídios estão relacionado à facções"
Se algumas autoridades de segurança pública consideram difícil impedir um assassinato, o professor Kieling acredita que é possível sim prevenir o crime de homicídio.
– Temos diversos motivadores de homicídios, mas boa parte, cerca de 75%, está relacionado a quadrilhas ou a facções criminosas. Ao debelar essas lideranças, é perceptível um tombo nos índices. Afinal, é desarticulado este fator principal (das mortes) que disputa por pontos de tráfico e a influencia furtos e roubos. É este comando que manda matar fulano ou ciclano – explica.
Contudo, o especialista percebe que há certa resistência de lideranças da polícia e da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) em investir neste trabalho de inteligência que desenvolve e identifica teorias da violência e de vulnerabilidade social.
– O que eu percebo nos órgãos públicos é carência de ciência e trabalhos fundamentados em teoria. Especialmente um trabalho que identifica como essas facções desenvolvem suas "atividades criminosas". Cada facção tem um modo operante diferente. Sem um trabalho específico e pregresso, o Estado está sempre correndo atrás – aponta.
Responsável pela elucidação dos homicídios no município, o delegado Duarte concorda que uma investigação de grande porte sobre a criminalidade é uma forma mais efetiva de evitar assassinatos.
– Enfrentar o tráfico de drogas e associação criminosa parece ser um caminho. Essas organizações costumam ostentar força e, em consequência, aumenta o número de assassinatos. É algo que vemos em Porto Alegre há anos. Investigações deste porte seriam uma ação indireta que acarretaria, como parece estar acontecendo, na redução de homicídios. Principalmente destes casos em que vítima ou autor possuem uma vida criminosa pregressa, que são maioria – comenta o delegado Duarte.