No fim da tarde de quarta-feira, Dia da Mulher, a equipe de ZH encontrou em casa do bairro Dr. Ayub, na periferia de Itaqui, cinco mulheres a conversar animadamente. Vizinhas, elas se mostravam exultantes com a notícia da prisão dos obstetras Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira. Todas contaram ter sido vítimas do esquema de cobrança por partos e laqueaduras cobertas pelo SUS.
Quatro aceitaram uma foto de grupo, que não as identificasse. Apenas duas concordaram em ter seus nomes publicados, justamente as que não tinham sido ouvidas pela Polícia Federal (PF).
Luciana Gomes, 33 anos, contou ter pago R$ 2,1 mil, em 2003, para Solano fazer uma cesariana. Na ocasião, ela dirigiu-se ao Hospital São Patrício para ter parto normal, mas quando chegou lá, o obstetra afirmou que a cesárea era necessária. E cobrou pelo procedimento.
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– Conseguimos um cheque com uma vizinha, para dar de garantia. No outro dia, conseguimos o dinheiro com um primo do meu marido. Minha mãe foi lá, entregou para a secretária e pegou o cheque de volta. Como já tinha acontecido com uma prima minha de ele não fazer a cesariana porque ela não pagou, ficamos com medo. E, realmente, ele só fez a cesariana do meu filho depois que entregamos o cheque – conta Luciana.
O outro caso levanta a suspeita de que os crimes fossem cometidos muito antes do que se imagina. Quando a Polícia Federal prendeu os dois obstetras, o caso mais antigo que a investigação apurou era de 2013. Mas, entre as cinco mulheres reunidas na tarde de quarta-feira, uma relatou pagamentos feitos há mais de duas décadas. Maria Isabel Peres Barbosa, 46 anos, tem um filho de 26 anos e uma filha de 21 anos. Pelo primeiro, diz ter pago R$ 180 a Solano. O outro parto, feito pelo mesmo médico, custou R$ 450:
– Quando chegava na hora, ele dizia que a gente precisava pagar o anestesista. A gente nem tinha o dinheiro, mas era forçada a arrumar.
As outras três mulheres pagaram por laqueaduras, cauterizações e cesarianas que já estavam cobertas pelo SUS. Como os casos são mais antigos e houve um tempo em que não havia custeio público de anestesista, é provável que a PF venha a investigar se as cobranças foram lícitas ou não.
Clique nas imagens abaixo e veja os relatos de vítimas dos médicos investigados:
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CONTRAPONTOS
O que dizem Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira
Nos depoimentos que deram depois da prisão, negaram todas as acusações, exceto a realização de laqueaduras durante as cesarianas, que disseram ter feito sem cobrar. Não explicaram porque esses procedimentos não eram registrados nos prontuários das pacientes. A defesa dos médicos informou que eles não vão se manifestar por enquanto.
O que diz o Hospital São Patrício
Em nota, informa que "repudia qualquer forma de procedimento ilegal e continua à disposição para contribuir com as investigações".
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OS CRIMES
Corrupção
- Os médicos – dois obstetras e um anestesista – foram indiciados por corrupção por serem funcionários públicos cobrando valores irregulares. A secretária foi indiciada por participação em corrupção.
Associação criminosa
- A Polícia Federal (PF) entendeu que os quatro indiciados se associaram de forma organizada com fins de cometer crimes.
Estelionato
- O crime teria sido cometido por causa de falsificação de documentos, como os prontuários em que se dizia que as gestantes necessitavam de cesariana, quando isso não correspondia à verdade. A secretária não entra nesse crime.
Esterilização cirúrgica ilegal
- A realização de laqueaduras durante cesarianas, que teriam sido realizadas clandestinamente pelos médicos, não é permitida pela legislação. A secretária também está isenta desse crime.