– Foi a pior de todas as notícias que eu já tive que dar na minha vida enquanto educadora.
O desabafo é da diretora da Escola Estadual de Ensino Básico Luiz de Camões, de Cachoeirinha, onde a adolescente Marta Avelhaneda Gonçalves, 14 anos, morreu por asfixia após uma briga dentro da sala de aula, durante troca de professores, na tarde de 8 de março, no segundo dia de aula da aluna nova na escola. Após relembrar o sufoco que viveu naquele dia, Fani Drehmer de Oliveira pede desculpas por não conseguir segurar as lágrimas.
– A gente se emociona. Eu trabalho há 13 anos nessa escola, já passei por muitas situações, salvei aluno, levei para o hospital após passar mal, mas nunca imaginei que viveria esse momento. A gente se sente impotente perante uma vida, uma família. Também não podemos esquecer das famílias das meninas (envolvidas). Por mais que duas delas tenham sido liberadas, as três vão levar isso para o resto da vida – argumenta.
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No retorno às aulas após a tragédia, no dia 13 de março, um protesto foi realizado na frente da escola por familiares e amigos da vítima. Enquanto os manifestantes gritavam por Justiça no lado de fora, os alunos eram mantidos em silêncio dentro das salas de aula.
A turma do sétimo ano que já era pequena, ficou ainda menor. As três meninas inicialmente apontadas como suspeitas da briga não voltaram à escola. Outro colega foi transferido de unidade. Apenas 13 alunos continuam ocupando as cadeiras da sala marcada pela fatalidade.
– A gente entende essa atitude, também entende a raiva de algumas pessoas (com a escola). Mas, a gente tentou salvá-la e fez tudo o que pode. Se eu tivesse esse poder, ela estaria viva e assistindo as aulas. Foi uma tragédia e não está sendo fácil conviver com ela – resume Fani.
A diretora e a orientadora educacional da escola, que prefere não se identificar, ainda não tiveram tempo de respirar e cuidar do próprio emocional. Elas precisaram retornar à escola após dois dias de luto. A rotina das últimas semanas tem sido pesada e consumida por depoimentos prestados na Delegacia de Polícia e ao Ministério Público.
Ainda assim, foi preciso encontrar força e coragem para manter a escola viva e ajudar os alunos a recuperar o trauma. Reuniões têm ocorrido com conselhos disciplinares para planejar o futuro.
A partir de agora, a escola passa a integrar as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipav), da Secretaria Estadual de Educação. O projeto demanda planejamento, atividades estratégicas e o envolvimento dos pais e da comunidade.
Não que o "bulying" e as relações entre os alunos já não fossem tratados na escola referência em inclusão. Mas, agora, o trabalho será reforçado. "O respeito com o outro" é um dos segmentos que o corpo técnico pretende abordar com prioridade em sala de aula.
A retomada das atividades escolares e da própria vida após presenciar a morte de uma aluna em sala de aula ainda ocorre de forma lenta e com muita dor.
– A imagem da menina vai ficar pra sempre na mente, isso ninguém tira da gente – observou a orientadora.
Porém, as educadores esperam recuperar a força e tirar algum aprendizado da tragédia que tomou conta da escola nos últimos dias.
– A gente vai ver a vida de outra forma, priorizar mais o "outro". Vamos fazer um trabalho com os alunos para que tenham essa visão do respeito. A comunidade tem que participar mais também – avalia Fani.
Ao mesmo tempo em que se preocupa com o futuro da escola, a diretora não deixa de pensar na família de Marta.
– Nada do que eu diga vai confortar a família. Mas todos os dias eu peço a Deus para fortalecê-los, amenizar a dor e trazer algum conforto.
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Adolescente não tinha histórico de violência
A diretora e a orientadora educacional lamentam que a rixa entre as duas meninas não tenha chegado ao conhecimento delas. Não houve tempo, pois a morte ocorreu no segundo dia de aula. Além disso, nenhuma das meninas apontadas inicialmente como envolvidas, tinha histórico de violência.
Pelo contrário, as educadoras afirmam que as meninas franzinas eram boas alunas e nunca tiveram o nome anotado na ata de ocorrências da escola. Tampouco desrespeitavam os profissionais. A adolescente de 12 anos indicada pela polícia como a responsável pela morte, estudava na escola desde pequena.
– As três eram tranquilas, não eram alunas que tinham problemas disciplinares. O resultado da autopsia foi um choque – disse a orientadora educacional.
Segundo o laudo pericial, um osso do pescoço rompeu e provocou a asfixia que matou Marta. A polícia concluiu que a vítima e uma adolescente de 12 anos brigaram e caíram no chão. A adolescente, que estaria embaixo da vítima, teria provocado a asfixia com o braço. O tempo entre a briga e o golpe que fez a vítima perder a consciência foi curto. Uma aluna chamou os professores. Ninguém contou sobre a briga. A versão inicial era de que Marta teria passado mal, batido a cabeça e caído.
Após o atendimento do Samu, quando Marta já estava sendo encaminhada ao hospital, uma aluna tomou coragem e contou sobre a briga. Enquanto a diretora acompanhava a vítima até o hospital, os professores ficaram na unidade investigando o que havia ocorrido.
A partir da nova informação levada ao hospital pelos professores, a médica decidiu fazer a necropsia e identificou a causa da morte. Do contrário, Marta teria sido considerada vítima de morte natural.
– Essa menina que avisou da briga foi um anjo. Se ela não tivesse dito, teria sido muito pior quando essa história viesse à tona. Ela contou: "Professora, foi muito rápido. Uma pegou, outra bateu, caíram e ela passou mal".
Orientadora tentou salvar a vida de Marta
A orientadora educacional foi um das primeiras a chegar na sala. Quando os alunos gritaram por ela, tirou os tamancos e correu. Ao deparar com a menina no chão, se debruçou sobre o corpo e passou a fazer massagem cardíaca intercalada com respiração boca a boca. A luta durou até a chegada do Samu.
– Ela já estava com o pulso fraco. Tu te sente impotente de ver que não deu certo. Tentei, tentei e não consegui. Ainda estou muito abalada. Mas a gente tem que continuar – desabafou, enquanto enxugava as lágrimas.
Para o delegado Leonel Baldasso, da 1ª Delegacia de Polícia de Cachoeirinha, a informação de que a vítima havia passado mal induziu os profissionais do Samu ao erro. Se a adolescente tivesse contado sobre o golpe no pescoço, o procedimento de socorro seria diferente e poderia ter salvado a vida dela.
Baldasso concluiu que a adolescente foi a responsável pelo ato infracional de homicídio e entendeu que a escola não foi culpada pelo fato. Na próxima semana o Ministério Público deve se manifestar sobre o caso.