Milhões em patrimônio, lavagem de dinheiro, estatuto definindo direitos e deveres dos integrantes, atuação em vários municípios da Região Metropolitana, principalmente no Vale do Sinos, planos de sequestro de magistrada, de execução de policiais e, agora, de fuga em massa do Presídio Central. São muitas as movimentações já descobertas pela polícia envolvendo Os Manos, facção criminosa por trás do túnel que estava sendo aberto a partir de uma casa localizada nos arredores da prisão.
Mais antiga entre as organizações criadas no Rio Grande do Sul, já foi liderada por lendários habitantes das prisões gaúchas, como Dilonei Francisco Melara, morto em 2005, e Paulo Márcio Duarte da Silva, o Maradona. Atualmente, há um colegiado no comando de Os Manos. É um grupo de líderes que decide possíveis punições, as ações a serem executadas, os investimentos e controla a contabilidade. No Presídio Central, o grupo comanda duas galerias no pavilhão B, ocupadas por cerca de 700 presos no total.
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Para o chefe da Polícia Civil, delegado Emerson Wendt, somente com muita investigação e trabalho de inteligência os agentes da segurança pública podem combater o poderio de facções como essa.
– Esse é o mote da administração (da polícia) desde o ano passado: estabelecer um trabalho não só em relação aos crimes, como em relação à descapitalização desses criminosos – afirma.
Nascida no interior das prisões, a facção já teve a sua fase crítica, na qual eram frequentes as execuções e as disputas com outras organizações. Com a consolidação de seu poder, obtida inclusive com a eliminação de líderes rivais considerados inconvenientes aos planos de expansão, o grupo aderiu a meios mais racionais de execuções, quase que abolindo as demonstrações de crueldade e de espetacularização da violência e os conflitos com grupos adversários.
O poderio do bando foi comprovado e combatido em operações realizadas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público (MP) durante esta década. Em 2011, ação da Civil, Brigada Militar e Guarda Municipal chegou a uma célula que atuava em São Leopoldo e era responsável por pelo menos 13 homicídios, tortura e tráfico de drogas.
Em 2015, um líder foi preso em uma casa avaliada em R$ 4 milhões, em Novo Hamburgo. O suspeito, que segue preso, é investigado como um dos principais traficantes de armas e drogas do Estado.
Entre 2014 e 2015, uma operação do MP apontou que presos ligados ao grupo, a partir da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueada (Pasc), da Penitenciária Modulada de Charqueadas e do Presídio Central da Capital comandavam braços criminosos nos municípios de Campo Bom, São Leopoldo, Guaíba, Igrejinha e Porto Alegre. Por meio de smartphones, ordenavam execuções para conquista de territórios para o tráfico e a distribuição de drogas em regime de atacado.
As duas células da facção movimentavam R$ 300 mil por semana em venda de entorpecentes. Na mesma época, o MP também descobriu cartilha que reunia as regras do grupo, que tinha cerca de 450 integrantes diretos e outros 2 mil indiretos. Eles recebiam proteção da facção em troca do pagamento de R$ 200 por mês. O rendimento, conforme os diálogos, era de R$ 1,3 milhão ao ano, o que lhes garantiu a compra de 50 fuzis.
Movimentação de R$ 18 milhões
No ano passado, investigações da Polícia Civil levaram a apreensão de R$ 5,5 milhões em patrimônio obtido por meio de lavagem de dinheiro, deixados por Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, 35 anos, um dos líderes do grupo que havia sido assassinado em 4 de janeiro de 2015, em Tramandaí. A mesma investigação apontou que a facção havia movimentado cerca de R$ 18 milhões nos últimos anos e que tinha como segurança o assessor pessoal do então secretário da Segurança Pública Airton Michels, Nilson Aneli.
A descoberta mais recente foi a de um plano de sequestro de uma juíza e de execução de delegados e de agentes da Polícia Civil responsáveis pelas prisões de 123 integrantes de uma célula do grupo em Gravataí, que movimentava cerca de R$ 6 milhões por mês.A distinção do modo de operação de cada facção criminosa é fundamental para o combate delas, de acordo com o chefe de Polícia.
– A investigação é por organização criminosa e se avalia qual a amplitude em relação à lavagem de dinheiro, de onde parte o financiamento – detalha.
Para Wendt, o trabalho tem de ser constante e persistente:
– Hoje nós temos uma força-tarefa trabalhando só nisso.