Sentadas em cadeiras de praia ou banquinhos de plástico, 17 mulheres impedem a entrada ou saída de homens fardados e viaturas. Seus maridos e filhos, todos policiais militares, ficam do outro lado da grade branca, aquartelados. No início da manhã, um cabo se aproxima e faz a pergunta repetida desde o sábado, mais de uma vez ao dia:
– As senhoras podem se retirar para que o policiamento seja feito nas ruas?
– A gente não sai.
Acampadas em frente ao portão do quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Espírito Santo, em Vitória, as mulheres pedem reajuste de 47% nos salários dos familiares e anistia pelos dias parados. Irmã e mãe de PM, Maria Rita Gonçalves, 47 anos, não se sente responsável pela série de assaltos, saques e homicídios – mais de cem – vivenciada no Estado há seis dias. Ela põe a conta na postura do governador licenciado Paulo Hartung.
– São sete anos sem reajuste real. Ele não aceita negociar, acha que é um imperador.
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Olheiras fundas pela vigília, Maria Rita integra um movimento que se iniciou na sexta-feira, com um protesto em Serra, cidade vizinha de Vitória, e, segundo as organizadoras, se espalhou por 78 municípios, com acampamentos nas portas de batalhões e companhias. Como as greves de militares são proibidas pela Constituição, os piquetes impedem o trabalho dos policiais, interessados no reajuste. O governo estadual vê uma ação coordenada nesta greve branca.
As mulheres, de jovens a senhoras, se revezam nos acampamentos. Vão até suas casas, tomam banho, descansam e buscam comida. Acertam o rodízio via WhatsApp. A ferramenta também transmite fotos e vídeos dos saques e tiroteios.
O acampamento no comando geral, na Avenida Maruípe, teve o momento mais tenso nestes dias de colapso da segurança pública. Na terça-feira, moradores foram ao local tentar encerrar o protesto. Pneus foram queimados e o Exército teve de usar gás de pimenta.A rotina no local alterna períodos de marasmo, com pausas para um lanche abastecido por bolachas, sanduíche, frutas e café, com momentos de discussões e de medo. Na manhã desta quinta-feira, uma policial tentou viabilizar a saída de oito viaturas, já perfiladas atrás do portão.
– Vamos colocar esse policiamento que tá aqui na rua! Tem que trabalhar, chega, acabou, já deu o que tinha que dar! Precisamos ir pra rua, por favor.
As mulheres e filhas de PMs não arredaram o pé.
– Quem é a líder de vocês aqui hoje? – indagou a policial.
– Não tem líder – responderam em uníssono.
De braços dados, viraram de costas para o portão. Em seguida, houve a tentativa da entrada de uma ambulância no quartel para atender um soldado que "surtou" no confinamento. O veículo deu meia volta e saiu. A uma quadra e meia do comando está mais um piquete, no portão do 1º BPM. Do outro lado da grade, cerca de 40 viaturas estão paradas. Próximo de uma boca de fumo, o acampamento exige cuidados. PMs que estavam de folga montaram um toldo do outro lado da rua. De bermuda e camiseta, observam quem passa.
– As mulheres dos traficantes nos provocam – conta uma das manifestantes.
Movimento perde simpatia da população
Mulher de policial, Ordilene Martins, 49 anos, não esconde o cansaço. Ela participou das reuniões com representantes do governo do Estado. Aceita negociar o pedido de 47% de reposição, mas exige a "anistia total" dos PMs.
– O piso da categoria é R$ 2,6 mil, mas com os descontos dá menos de R$ 2 mil. Para quem paga aluguel e tem família, não sobra nada – diz.
O governo ensaia punir a insubordinação. Sinaliza abrir processo disciplinar por motim contra 300 policiais. Ao classificar de "chantagem" a paralisação, Paulo Hartung alega que não há recursos para uma recomposição salarial, com impacto de R$ 500 milhões no caixa estadual, e exige o retorno dos PMs às ruas, quase vazias devido ao medo instalado nos capixabas.
– A reivindicação é justa, mas a forma não está correta – afirma o aposentado Samuel Vieira, 69 anos.
Os dias com relatos de pessoas baleadas e de confrontos de gangues desgastaram a imagem do movimento das famílias. Um cartaz fixado na parede do quartel do comando pedia "buzine para nos apoiar". Alguns motoristas atendiam ao pedido, enquanto outros reclamavam aos gritos de "piranhas" e "vão trabalhar".
Apesar do envio de 2 mil homens das Forças Armadas e da Força Nacional, as ruas da Grande Vitória seguiram com pouco movimento. O comércio continuou fechado, nada de aulas nas escolas, nem todos os postos de gasolina abriram. Os ônibus circularam pela manhã, mas o assassinato de um sindicalista e ameaças aos motoristas interromperam o serviço outra vez.
Os supermercados funcionaram em horário reduzido, até as 16h, com filas enormes e reforço na segurança privada. As redes disponibilizaram carros para buscar os funcionários. O advogado Antonio Sergio Mendes, 35 anos, encarou uma fila de mais de uma hora para fazer um rancho. Comprou mantimentos, produtos de limpeza e bebidas.
– Vim fazer um estoque porque não sei quando vai terminar essa crise. A sensação de medo não deixa ninguém sair de casa.