O uso de tatuagens por policiais militares (PMs) voltou a provocar controvérsia após vazamento de um documento em que o corregedor-geral da Brigada Militar, coronel Jefferson de Barros Jacques, afirma que militares não podem ter tatuagens em locais visíveis do corpo. Conforme descrito no texto, o descumprimento das normas é passível de "processo disciplinar de cunho demissionário".
Leia mais
Homem é encontrado morto em Porto Alegre
Morador de rua pode ter sido espancado até a morte
SP tem duas primeiras mortes em presídio desde início da crise no país
A determinação veio em resposta a uma consulta enviada em dezembro pelo Comando do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul. Um bombeiro com tatuagens queria saber se os desenhos que ficariam descobertos por conta do uniforme da Operação Golfinho poderiam lhe causar punição. A dúvida surgiu depois da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) meses antes, em 17 de agosto de 2016, quando foi julgada inconstitucional a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público.
De acordo com o ministro Luiz Fux, relator do processo, a criação de barreiras arbitrárias para impedir o acesso de candidatos a cargos públicos fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. O ministro destacou que a tatuagem, por si só, não pode ser confundida como uma transgressão ou conduta contra os bons costumes.
Segundo ele, a tatuagem passou a representar uma autêntica forma de liberdade de manifestação do indivíduo, pela qual não pode ser punido, sob pena de flagrante violação dos princípios constitucionais. A decisão da corte só permite a restrição caso, por exemplo, o desenho incite à violência, faça apologia ao terrorismo ou promova discriminação.
"Um policial não se torna melhor ou pior em suas funções apenas por ter tatuagem", afirmou o ministro.
O corregedor-geral embasou sua resposta no decreto estadual 43.430/2004, que trata do Regulamento de Uniformes e Apresentação Pessoal da Brigada Militar e que abrange as vedações impostas ao militar estadual, entre elas "o uso de tatuagens e piercings (adereços metálicos presos ao corpo)".
Jacques escreveu que , no seu entendimento, a decisão do STF só se aplica caso, na data do edital, não haja uma lei formal que ampare a proibição da tatuagem. Portanto, para o corregedor, a determinação não alcança os militares estaduais gaúchos em razão do decreto de 2004.
Advogado com aplicação na área militar, Luiz Carlos Ferreira diz não ver, no campo jurídico, possibilidade de exoneração de militares por conta de tatuagens discretas que fiquem expostas.
– O que não pode é tatuagem que incite à violência ou que defenda algum movimento. Se for algo pessoal, não há problema. Se o policial tinha a tatuagem quando ingressou no serviço militar, é um motivo a mais para não poder sofrer punição. O comando deveria ter visto ela na data do exame. Se fez quando já estava servindo, está protegido pela decisão do STF.
Leonel Lucas, presidente da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho (Abamf), entidade que representa os servidores da Brigada Militar, reforça a guarida do STF.
– Somos contrários a essa decisão (da corregedoria). O STF já sinalizou que a tatuagem não influencia a qualidade do serviço militar.
O presidente da Abamf salienta que muitos policiais da ativa entraram tatuados na corporação e que isso deveria ter sido tratado como problema à época. A Brigada Militar limitou-se a dizer que o caso está sendo analisado pela corporação e que o corregedor que assina o documento está em férias. Já o Comando do Corpo de Bombeiros afirmou que nenhum servidor tatuado sofrerá sanções, que o comando irá aguardar uma resposta da Brigada Militar e que está elaborando as próprias normas. Isso porque tramita na Assembleia um projeto de lei que oficializa a separação do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar.
As tatuagens se tornam mais evidentes no verão, pois entre as vestimentas dos militares da Operação Golfinho estão sunga, calção e regata, que mostram mais partes do corpo do que os tradicionais uniformes. Conforme o coordenador-geral da Associação de Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Abergs), primeiro sargento Ubirajara Ramos, que teve acesso ao documento informalmente, o comando da corporação sempre foi flexível nesse aspecto e que não vê possibilidade desta decisão ser levada adiante em razão do déficit de servidores, que seria agravado mediante exonerações.
– Não chegou nada oficial para nós, porém há no regulamento da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros a proibição de expressões artísticas que fiquem à mostra. O problema é que na praia, como o uniforme é mais curto, as tatuagens aparecem. Mas, no nosso entendimento, expressões artísticas corporais não afetam em nada o trabalho no Corpo de Bombeiros – argumentou.