A madrugada desta quinta-feira começava quando moradores da entrada de um beco na Rua Doutor Veiga Cabral, na Vila Jardim, Zona Norte da Capital, foram surpreendidos por uma cena macabra. Duas cabeças de homens haviam sido jogadas ali.
Era a repetição de um verdadeiro método da brutalidade que as facções criminosas parecem ter adotado neste ano. Já são 15 casos de decapitações na Região Metropolitana desde janeiro – oito deles em Porto Alegre.
Para que se tenha uma ideia, durante todo o ano passado não foi registrada nenhuma decapitação na região.
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O mistério da madrugada desta quinta ganhou seu último elemento pouco antes das 7h, quando os dois corpos das vítimas foram encontrados nas proximidades do Parque Chico Mendes, no Bairro Mario Quintana, também na Zona Norte.
Estavam jogados à beira da calçada, tinham as mãos amarradas e estavam parcialmente carbonizados.
A forma como foram mortos não havia sido esclarecida até o começo desta noite. Os investigadores da 5ª DHPP ainda aguardam as identificações deles pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP).
Para a delegada Luciana Smith, o crime é encarado como mais uma forma de desafio entre as facções criminosas em guerra na cidade, naquilo que o psicanalista Mario Corso define como o "marketing da brutalidade".
– As decapitações parecem ser uma maneira de assinar um crime, profanar um cadáver. Não basta tirar a vida, é preciso também destruir a memória da vítima e do grupo dele. Como em uma guerra, é uma tentativa de intimidar o inimigo, de mostrar o próprio poder e que é mais forte do que ele – analisa.
Para o especialista, no entanto, o que se vê com essas tentativas de amedrontar de cada uma das facções é o contrário.
– Ao invés de intimidar o rival, o que se consegue é gerar um desejo de vingança ainda maior. E quem comete esse tipo de crime já é alguém marcado dentro do próprio grupo. Ele já matou, e depois de cometer o primeiro, fazer o segundo é mais fácil – acredita.
Desta vez, a polícia ainda avalia de qual lado teria partido o ataque. E as circunstâncias em que as vítimas foram assassinadas. Há pelo menos duas linhas de investigação. Cada uma levaria a um grupo como autor do crime.
Os investigadores procuram por possíveis imagens de câmeras de monitoramento nas proximidades da Vila Jardim para tentar identificar como os criminosos chegaram ao local e descartaram as cabeças.
Em setembro deste ano, outro homem foi encontrado decapitado no bairro. Uma câmera registrou o momento em que os criminosos abandonavam o corpo no local, mas ainda é aguardada a perícia das imagens para identificar o carro dos assassinos.
Tiroteio no Mario Quintana antecedeu o crime
O crime pode ter sido originado no bairro que concentra metade dos casos de decapitações em Porto Alegre neste ano. Uma das hipóteses investigadas pela
5ª DHPP é a de que dois homens – ainda não identificados – tenham sido carregados por um grupo armado depois de um tiroteio no Bairro Mario Quintana.
Os dois corpos das vítimas foram localizados justamente em um dos acessos do bairro, próximo à entrada do ponto de tráfico dominado por uma facção em guerra.
Um confronto armado aconteceu por volta das 21h de quarta, e mais uma vez alterou a vida de toda uma comunidade. Mais de 400 pessoas aproveitavam a formatura das turmas do 9º ano do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Municipal de Ensino Fundamental Wenceslau Fontoura e fugiram assustadas.
Por segurança, a cerimônia precisou ser interrompida pela direção da escola.Testemunhas relatam que em outro ponto do bairro, dominado por uma facção contrária à que atua naquela localidade, foguetórios foram ouvidos logo depois daquele confronto. A polícia investiga se foi um sinal de comemoração pela "derrubada" de rivais.
Horas depois, a Brigada Militar prendeu um homem de 22 anos e apreendeu um adolescente de 15 anos com uma pistola 9mm e um revólver calibre 38 na Rua Manoel Marques, Bairro Mario Quintana.
Cabeças podem ser recado em área sob disputa
O recente incêndio criminoso de pelo menos três casas em um beco da Rua Doutor Veiga Cabral, na Vila Jardim, é outro elemento investigado pela
5ª DHPP como motivador para as decapitações.
É que as cabeças das vítimas foram jogadas justamente na entrada do beco, como um recado a criminosos que estariam atuando no tráfico de drogas daquele local.
Os incêndios teriam sido obra de integrantes de uma facção criminoso na caçada a pelo menos dois integrantes do grupo rival.
Depois de queimadas as residências e alguns moradores expulsos, eles teriam permanecido controlando a área por pelo menos três dias até serem expulsos em um tiroteio. A área agora estaria em plena disputa entre grupos rivais e a ordem de um desses grupos seria matar quem tentasse entrar no beco.