Um assalto provocou dissabores em dose dupla à Fundação de Proteção Especial (FPE), organismo da Secretaria Estadual do Trabalho e do Desenvolvimento Social que acolhe crianças, adolescentes e doentes, vítimas de violência familiar.
Depois de momentos de terror na última sexta-feira em um dos abrigos da FPE, na zona leste de Porto Alegre, provocados por seis homens encapuzados e armados que agrediram uma funcionária e ameaçaram internos, a instituição não conseguiu registrar a ocorrência na Polícia Civil sob a alegação de protesto de servidores. O registro será feito nesta segunda-feira.
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A invasão ocorreu na noite da última sexta-feira, deixando traumatizados as duas servidoras de plantão e os internos – oito crianças e adolescentes e dois adultos (um com deficiência física e outro com transtornos mentais). Após o roubo, o abrigo ficou sob o cuidado de um vigilante, as servidoras foram dispensadas do trabalho e os internos transferidos provisoriamente para outras casas onde pernoitaram.
Na manhã de sábado, dois assistentes da direção da FPE procuraram a 11ª Delegacia da Polícia Civil da Capital, mas o policial de plantão se negou a confeccionar o boletim de comunicação do crime, conforme Vitiana Witti, diretora do Núcleo de Abrigos Residenciais Leste, da FPE
– Primeiro, acalmamos as crianças, tomamos providências e juntamos informações. Quando dois assistentes foram até a delegacia, no sábado, ouviram que só registravam homicídios e crimes previstos na lei Maria da Penha – lamentou Vitiana, lembrando que deixaram de ir em outras delegacias porque ouviram do policial de plantão que a paralisação ocorria também nas demais repartições.
Apesar de barreira físicas como grades e muros, o bando de ladrões conseguiu invadir o abrigo pela porta dos fundos por volta das 21h de sexta-feira. Aparentando estarem sob efeitos de drogas, os assaltantes gritavam, exigindo a chave do veículo de uma das servidoras – estacionado no pátio do abrigo –, e que fosse aberto o portão para a fuga com o automóvel.
Nervosas, as duas funcionárias não encontraram a chave do cadeado do portão, provocando a ira dos bandidos. Os criminosos apontaram armas para os internos, ameaçando matá-los, e um das servidoras foi atingida por coronhadas, causando lesões superficiais. Depois de perceber que não teria como abrir o portão, o bando fugiu com celulares e bolsas das servidoras, além do celular de um dos adolescentes e R$ 20 da caixinha do abrigo, reservados para emergências como levar de táxi para o hospital um dos internos que sofre convulsões.
– As crianças tem histórico de sofrimento e violência, estão em um ambiente de proteção e ainda passam por uma situação dessas – acrescentou Vitiana.
O presidente da FPE, José Luís Barbosa, enfatizou que o objetivo do bando era levar o carro da servidora – o roubo de veículo é um dos crimes que mais cresce em Porto Alegre, aumentando 143% em cinco anos.
– A criminalidade não parece ter critério nem manual de procedimentos para atuar. A região tem focos de violência. Uma das casas ao lado do abrigo já foi assaltada três vezes – afirmou Barbosa.
Neste domingo, o abrigo voltou a funcionar. Conforme Barbosa, são analisados reforços de dispositivos de segurança, como mais grades, trancas e cadeados, e também foi solicitado à Brigada Militar o incremento do policiamento na região. A FPE administra 31 casas de acolhimento em Porto Alegre, onde estão abrigados cerca de 460 crianças e adolescentes retiradas do convívio familiar por ordem judicial em razão de maus-tratos.
CONTRAPONTO
O que diz o delegado Herbert Ferreira, diretor em exercício da Delegacia de Polícia Regional de Porto Alegre:
"Alguns servidores, em algumas delegacias, seguiram orientação do sindicato da categoria para uma paralisação com 15 horas de duração na sexta-feira devido ao parcelamento de salários. No sábado, o protesto já deveria ter sido encerrado. Se isso, de fato, aconteceu, sugiro que a FPE procure o delegado responsável pela delegacia para tomar providências".