Ao mesmo tempo em que o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, anunciava a construção de dois centros de triagem para presos como solução para desafogar delegacias, um novo episódio demonstrava o caos no sistema prisional gaúcho. Nesta quarta-feira, enquanto Schirmer falava sobre o balanço da Operação Avante da Brigada Militar, PMs se revezavam em frente ao Palácio da Polícia, em Porto Alegre, para fazer a custódia de foragidos, assaltantes e traficantes, mantidos em viaturas por falta de vagas no Presídio Central e nas DPs, que também já estão com as celas abarrotadas.
Os presos se amontoavam nas viaturas paradas na calçada e na Avenida Ipiranga. Ainda pela manhã, um PM fazia a custódia de um homem que estava há 18 horas sem comer. Mesmo com o salário parcelado pelo governo estadual, o brigadiano comprou garrafa de água e ofereceu a ele. À tarde, pelo menos cinco pessoas continuavam nessas condições e um deles foi transferido para o presídio após completar quase 24 horas dentro do veículo da BM. À noite, o governo informou que a situação foi normalizada.
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– A gente compra com o dinheiro do nosso bolso e dá um pouco para eles. Ele é vagabundo, mas também é ser humano – desabafou o policial, que preferiu não se identificar.
Para resolver situações como essa, Schirmer apostou nos centros de triagem. Inicialmente, o secretário se equivocou ao anunciar que cada uma das duas estruturas poderia abrigar entre 350 e 400 presos. Na verdade, de acordo com a informação divulgada posteriormente pela própria Secretaria da Segurança Pública (SSP), os locais terão capacidade para receber total de 258 detentos provisórios. Ao falar sobre os espaços, Schirmer também não deu prazos para colocá-los em funcionamento e não especificou de onde sairiam recursos para construção e convocação de novos agentes penitenciários.
Por ora, o certo é que um deles será em Porto Alegre, em área localizada atrás do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), no bairro Partenon, com 120 vagas. A outra triagem será construída dentro do complexo prisional de Charqueadas. Seriam mais 138 vagas provisórias.
– Delegacias de polícia e viaturas não são locais para se manter presos. Esses centros de triagem vêm justamente com o objetivo de desafogar as delegacias e solucionar esse problema – salientou Schirmer ao anunciar a proposta.
O juiz da Vara de Execução de Penas Alternativas de Porto Alegre Luciano André Losekann critica a proposta do governo. Conforme o magistrado, trata-se de ação paliativa que não resolveria problemas do sistema carcerário gaúcho.
– Isso vai gerar mais insegurança pública. Eles (o governo) querem colocar presos provisórios em locais inadequados para isso. O preso provisório tem de ficar em regime fechado até a decisão do juiz _ sustenta.
O juiz Luciano Losekann diz, ainda, que o Piratini pretende usar a Casa do Albergado Pio Buck como centro de triagem. Segundo o magistrado, o Tribunal de Justiça concedeu R$ 126 mil para a Susepe fazer obras de melhorias no local, destinado especificamente para o regime semiaberto. E agora, o espaço, segundo o juiz, seria usado para presos provisórios.
– Fomos surpreendidos. O dinheiro foi solicitado para um fim e agora será usado para outro? Se o Estado devolver esse valor corrigido e acrescido de juros, pode fazer o que bem entender. Na verdade, isso soa até como má fé da Secretaria de Segurança Pública. Além disso, o Pio Buck é inadequado para presos provisórios. Não tem grade, não há segurança adequada. Seria um local de fugas constantes – alega.
Procurada, a SSP informou, através da assessoria de imprensa, que o magistrado pode ter se confundido, pois o Pio Buck não está nos planos para virar centro de triagem.
O promotor Luciano Pretto, da Promotoria de Execuções Criminais, também discorda da proposta do governo, pois as vagas criadas não atenderiam a necessidade real dos sistema carcerário.
– O déficit prisional hoje está em torno de 11 mil vagas e crescendo cada vez mais. Essas vagas durariam muito pouco tempo. E mesmo assim, depois, os presos iriam para onde? Estamos vivenciando situação extremamente grave. Ninguém espera solução mágica, mas ela tem de ser construída – analisa Pretto.
Flávio Berneira, presidente da Amapergs-Sindicato, entidade que representa os agentes penitenciários gaúchos, considera a ideia do governo importante. Porém, não resolve a situação alarmante de superlotação dos presídios gaúchos e de falta de profissionais.
– Temos dois problemas seríssimos na Susepe: a superlotação e a defasagem no número de servidores. Os centros de triagem propostos não são a solução. Não adianta ter a porta de entrada se a casa está cheia. E se fossemos nos pautar por referências oficiais, teríamos de ter um agente penitenciário por turno para cada cinco presos. Seriam necessários, portanto, cerca de 50 servidores para esses centros de triagem – afirma Berneira.
*Zero Hora