Uma péssima notícia é revelada em projeção com os dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP): o Rio Grande do Sul pode fechar o ano com o maior número de latrocínios da história, caso persista no segundo semestre de 2016 o ritmo de incidência do crime. Foram 89 roubos com morte nos seis primeiros meses deste ano, 35% a mais que no mesmo período de 2015. Os casos do primeiro semestre de 2016 representam mais da metade do total de 143 em 2006, quando o Estado chegou ao recorde do delito.
E o aumento nos latrocínios acompanha a escalada de outro indicador de criminalidade, o de roubo de veículos. O Rio Grande do Sul teve 16% mais casos no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2015. Cabe lembrar que o ano passado encerrou com o recorde histórico da ação de ladrões contra motoristas.
Na Capital, 40% é resultado de ataques a motoristas
Em Porto Alegre, quase metade dos latrocínios registrados no primeiro semestre ocorreu em tentativa de roubo de veículo. O levantamento, do Diário Gaúcho, é corroborado pelas estatísticas da SSP. Em Porto Alegre, oito (40%) dos 20 latrocínios contabilizados pelo jornal entre janeiro e junho aconteceram por resultado de roubo de automóvel (concretizado ou não), cinco (25%) durante roubo a estabelecimentos comerciais, quatro (20%) em assaltos a pedestres e o restante em pontos diversos, como ônibus ou residências.
A SSP ainda contabiliza três mortes a mais que a pesquisa do jornal, porque a estatística oficial inclui ladrões mortos na tentativa de roubo.
Os 23 casos registrados na Capital pela secretaria representam um em cada quatro latrocínios no Estado no primeiro semestre.
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E o padrão registrado em Porto Alegre é semelhante ao do Interior: a maioria dos assaltos com morte é cometido por ladrões de carro.
– O latrocínio está intimamente ligado ao roubo de veículo. Por isso, montamos política de combate que torne esse crime menos atrativo, indo na receptação e apreendendo as peças. Isso para que se torne antieconômico roubar veículo e entregá-lo a receptador para desmanche – diz o diretor de Gestão e Estratégia da SSP, coronel Luiz Porto.
Violência extrema ante o mínimo esboço de reação
Dois dos casos mais chocantes do semestre passado envolveram mulheres e seus automóveis. Em junho, a funcionária do aeroporto Salgado Filho Mineia Santanna Machado foi rendida por dois criminosos ao entrar no seu Uno. Mantida refém, acabou morta a facadas. No mesmo mês, a universitária Sara Votto Tótaro foi assassinada a tiros em frente aos pai e uma irmã, no bairro Cavalhada, por ladrões que tentavam roubar o Up da família.
– Os criminosos estão mais armados e violentos – observa o comandante do policiamento da Capital, coronel Mario Ikeda.
Hoje, ressalta o oficial, pouco se pratica o roubo de carro sem violência extrema. Diante de qualquer esboço de reação da vítima, mesmo o susto natural em razão do ataque, o criminoso acaba atirando.
– Por isso, orientamos a todo momento que as pessoas não façam gestos bruscos, como se estivessem reagindo. É uma maneira de evitar a morte: é melhor entregar o carro, porque a vida não se busca mais.
A reação, ainda que involuntária, é o catalizador da maioria das mortes, confirma análise dos latrocínios determinada pelo chefe da Polícia Civil, delegado Emerson Wendt:
– Em 73% dos casos do primeiro semestre, a vítima esboçou algum tipo de atitude interpretada pelos criminosos como reação. Nos demais, o autor do crime temia ser identificado. Em alguns, os criminosos haviam sido empregados do lugar assaltado.
Busca por peças teria atiçado ladrões
Um dado chama a atenção nas estatísticas da Secretaria da Segurança Pública (SSP) sobre latrocínios: fevereiro registrou 24 mortes em assaltos no Rio Grande do Sul, a maior quantia em um mês desde o ano de 2005.
É difícil explicar a concentração de mortes em um único mês, mas o diretor de Gestão e Estratégia da SSP, coronel Luiz Porto, arrisca palpite. Ele lembra que aquele mês antecedeu o início da operação contra desmanches de veículos. E admite que os ladrões podem ter, provavelmente com informação privilegiada, se antecipado nos crimes, com vistas a futura dificuldade de alimentar a demanda por peças no mercado ilegal. O aumento nos latrocínios teria sido reflexo dessa antecipação.
A hipótese de Porto encontra respaldo nas estatísticas oficiais. Um dos raros setores que manteve crescimento durante a crise econômica que perpassa o país é o de peças automotivas usadas. Em momento em que a busca por carro novo diminuiu, a reforma de veículo ganhou espaço. Muitas vezes, com itens roubados.
Porto considera que, com o incremento das operações Desmanche, com realização de inspeções em ferros-velhos, e Avante, com ações contra crimes em pontos estratégicos da Capital, a tendência é que diminua a audácia dos ladrões.
Polícia consegue esclarecer 86% das ocorrências
Há pelo menos uma boa notícia, pinçada em meio à perspectiva pessimista dos números de latrocínios: a Polícia Civil considera esclarecidos 86% dos casos. O Chefe de Polícia, delegado Emerson Wendt, ressalta que no primeiro semestre foram remetidos à Justiça 114 inquéritos sobre latrocínios (incluindo alguns episódios herdados do ano passado). Desse total, 97 tiveram autoria do crime apontada. É um índice de resolução maior do que o dos homicídios, que está em 83%.
– Roubo com morte é prioridade das prioridades. É uma vida aniquilada em troca de motivo fútil, de dinheiro – analisa o delegado.
Escassez de servidores impede ações preventivas
Ampliação do patrulhamento por parte da Brigada Militar poderia ajudar na prevenção, mas a própria Secretaria da Segurança Pública (SSP) admite que o déficit de policiais contribui para o aumento da criminalidade. Só no ano passado, 1.888 policiais militares (PMs) se aposentaram e outros 911 foram para a reserva no primeiro semestre de 2016. No entanto, esse não é o único motivo, ressalta o diretor de Gestão e Estratégia da SSP, coronel Luiz Porto.
– Temos um déficit estrutural de efetivo na área da segurança pública há 40 anos, o que não é suficiente para explicar o agravamento de um quadro de violência. A causa é muito mais profunda, associada ao afrouxamento total das regras penais e à conjuntura econômica instalada dentro do Brasil e do Rio Grande do Sul, que propiciam cenário extremamente favorável ao crescimento criminal – acredita Porto.
Para minimizar as aposentadorias, o governador José Ivo Sartori autorizou aporte de R$ 166,9 milhões na área de segurança pública. A verba servirá, entre outras coisas, para nomear 661 policiais civis e 2 mil PMs, o que apenas repõe a perda anual de efetivo.