Após a repercussão do desabafo do advogado Rafael Guimarães, que anunciou a desistência da profissão após encontrar na rua o assassino confesso de seu pai, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Ricardo Breier, convidou Rafael para uma conversa.
– Quero dizer para ele não desistir, porque (o que aconteceu) foi por uma falha que não é dele e não é da advocacia, nem da Justiça, mas do Estado, que não executa o que a lei determina – disse Breier.
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Para o presidente da OAB, o réu, o advogado Guilherme Antônio Nunes Zanoni, preso em flagrante em novembro por esfaquear o vizinho e síndico Oscar Vieira Guimarães Neto, deveria estar aguardando o julgamento numa "Sala de Estado Maior" – que é um espaço sem grades destinado a profissionais como juízes, promotores, jornalistas e advogados que estão respondendo a processo, mas que não receberam a sentença.
Como o Rio Grande do Sul não possui esse ambiente, que pode ser junto ao Exército,por exemplo, a lei determina que o réu cumpra a prisão cautelar em casa – que foi a decisão dos desembargadores no caso do pai de Rafael.
Caso seja condenado, Zanoni cumprirá a pena no presídio. E o mesmo aconteceria se ele estivesse em uma Sala de Estado Maior.
– É grave o Rafael encontrar o assassino do pai dele na rua, mas a advocacia não pode ser culpada pela omissão do Estado. O governo estadual precisa tomar alguma atitude – defende Breier.
Ainda conforme ele, a OAB tem comissões e projetos atuando para cobrar medidas como essa e outras envolvendo a segurança pública. Rafael Guimarães será convidado a se engajar nessas causas e não desistir da profissão.
– Ser advogado é muitas coisas, inclusive atuar na cidadania – concluiu o presidente.
Nesta quarta-feira, Rafael também deu entrevista à Rádio Gaucha. Ouça:
Quem tem direito à Sala de Estado Maior?
Nos casos de prisão cautelar (caráter provisório), membros do Ministério Público, advogados, membros da Defensoria Pública, juízes e jornalistas, segundo o artigo 295 do Código de Processo Penal. O artigo 7º do Estatuto da OAB afirma que, na ausência de uma Sala de Estado Maior o advogado deve ser encaminhado à prisão domiciliar.
Quem tem direito à cela especial?
Nos casos de processos transitados e julgados, qualquer cidadão que tiver diploma de Ensino Superior. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, antes de condenação definitiva, ministros de Estado, governadores, seus secretários, prefeitos, vereadores,chefes de polícia, membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados, oficiais das Forças Armadas e do Corpo de Bombeiros, militares, magistrados, diplomados em cursos superiores, ministros de confissão religiosa, ministros do Tribunal de Contas e cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado.
Entenda o caso
Oscar Vieira Guimarães Neto, 61 anos, era síndico do edifício Santa Eulália, na Avenida Desembargador André da Rocha, no centro de Porto Alegre. No início da noite de quinta-feira, 5 de novembro de 2015, foi morto a facadas pelo vizinho do apartamento em frente ao seu.
O zelador do condomínio ouviu gritos de Guimarães e foi até o apartamento dele. A Brigada Militar foi acionada e, quando os PMs entraram no imóvel, Guilherme Antônio Nunes Zanoni, então com 25 anos, estava ao lado da vítima, que agonizava no chão. O suspeito, então, foi preso em flagrante e encaminhado ao Presídio Central. A polícia apurou, à época, que ambos mantiveram discussões frequentes por dois anos.
O Ministério Público, com ajuda do filho e advogado Rafael Guimarães, denunciou Zanoni à Justiça por homicídio triplamente qualificado: motivo torpe, uso de recurso que dificultou a defesa da vítima e meio cruel.
No dia 1º de junho deste ano, a Justiça proferiu a sentença de pronúncia, determinando que o caso vá a júri, incluindo apenas duas qualificações, tendo afastado o meio cruel, por entender que não houve o estrangulamento da vítima.
No dia 14 deste mês, os desembargadores atenderem ao pedido da defesa e concederam a permissão para que o réu espere pelo julgamento em prisão domiciliar.
De acordo com o advogado de Zanoni, Rodrigo Grecelle Vares, o autor confessa o assassinato, mas alega que desferiu as facadas em legítima defesa, pois o síndico teria invadido o seu apartamento.
Gracelle vai recorrer à Justiça para que seu cliente seja julgado apenas por homicídio, excluindo todas as qualificações. Já o MP deve entrar com pedido para incluir novamente o motivo cruel para que Zanoni seja julgado pelas três qualificadoras.
Leia a íntegra do desabafo de Rafael Guimarães:
A partir de hoje não sou mais advogado. Se precisarem de algum, não me procurem. Aliás, não procurem nenhum, principalmente se vocês forem acusados de assassinato, afinal a lei já vai te garantir liberdade e mais um monte de benefícios.
Eu achei que era forte.
Há 8 meses perdi meu pai da forma mais brutal que alguém pode imaginar. Precisei de muita força pra suportar a situação e de mais força ainda pra atuar, juntamente com o Ministério Público, no processo, como assistente de acusação. Foram diversas audiências cara a cara com o assassino, que, até então, estava recolhido no presídio central. O fato de ele estar preso amenizava a dor que eu sentia, que eu sinto. Fiz o que pude pra manter o assassino preso, por mais que eu não atue nessa área.
Ontem, saindo do meu trabalho, me deparo com quem na rua?
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu habeas corpus para que o assassino do meu pai (aquele que matou com golpes de faca, deixando meu pai agonizando até a morte, sem motivo algum) possa responder ao crime fora da cadeia.
Quem será a próxima vítima até que seja julgado daqui a vários anos?
Fico pensando no quanto eu estudei pra me tornar advogado, pra chegar agora e minha vida se encontrar nessa situação. Eu confesso que tenho vergonha da profissão que escolhi. Por isso, a partir de hoje, não me procurem mais nesse sentido. Eu peguei minha carteira da OAB há bem pouco tempo, mas já tenho vergonha de andar com isso.
O assassino está fora da cadeia. Repito: um assassino. Não é um ladrão de galinha, nem um ladrãozinho de carteira. É alguém acusado de homicídio triplamente qualificado e que confessou o crime. Vocês sabem o que é isso? Se não sabem, procurem ler do que se trata, porque como falei, eu não sou mais uma pessoa que pode falar sobre isso.
Eu me formei em Direito, mas não sei responder qual direito eu tenho. O assassino tem direito de estar com a família, respondendo ao processo em casa. Que direito eu tenho? Não me garantiram nenhum direito, nenhum. O único direito que eu tive foi o de enterrar meu pai.
O único que continua preso e sem direito a advogado é o meu pai. Habeas corpus nenhum tira ele de onde está. Ele nunca mais sairá do lugar onde foi colocado por essa pessoa que falei que está solto por aí.
Na verdade, eu e meu irmão também estamos presos, pra sempre. Presos à ideia de que nunca mais veremos nosso pai.
Já o assassino, está a desfrutar do direito que lhe foi concedido: estar em casa com a família.
Eu achei que era forte, mas desisto.