A Polícia Civil considera ter provas suficientes para levar ao banco dos réus Graciele Ugulini e a amiga Edelvânia Wirganovicz, suspeitas de terem matado Bernardo Boldrini. Caso isso se concretize, dificilmente elas escaparão de júri popular, e é provável que enfrentem acusação de homicídio qualificado - crime que prevê pena de 12 a 30 anos de reclusão, bem maior que a punição por homicídio simples (de seis a 20 anos).
Isso porque, segundo os policiais, o crime teria sido cometido com qualificadoras (circunstâncias que resultam em uma pena mais severa). Se levadas em conta a confissão de Edelvânia e as gravações que comprovam que as mulheres foram as últimas a estarem com a criança ainda viva, as duas estariam enquadradas em quatro das cinco qualificadoras existentes no Código Penal. Cada uma delas aumenta um pouco a punição.
- Esse cenário se enquadra em quatro qualificatórias. Em quanto isso aumenta a pena, depende da severidade do juiz. Uma coisa é certa: se condenados, os réus não pegarão pena mínima - pondera a promotora de Justiça Sandra Goldman.
Existiriam ainda agravantes (circunstâncias de gravidade subjetiva, não específicas para homicídio), como o fato de a vítima ser criança. As duas mulheres podem ainda pegar pena por ocultação de cadáver (um a três anos de reclusão). Professor de Direito Penal, Aury Lopes Junior ressalta que a dosagem da pena com qualificadoras e agravantes depende da interpretação de cada juiz.
A polícia diz que Graciele ainda não foi ouvida. Um motivo possível é o fato de ela enfrentar dificuldade para contratar um advogado.
Mas os policiais não têm pressa: a prisão temporária da madrasta é de 30 dias, e os agentes usarão parte desse tempo para encontrar mais provas. Poderão vasculhar toda a papelada apreendida na casa dela, atrás de indícios do suposto pagamento feito a Edelvânia pelo crime. Ou esperar por perícias que comprovem uso de meio cruel na morte ou que o menino foi sepultado vivo, o que vai garantir aumento de pena. São razões suficientes para adiar o depoimento.
Um vídeo obtido por ZH nesta segunda-feira revela novos detalhes a respeito do comportamento de Graciele. Desconfiado da postura da madrasta durante o sumiço de Bernardo, o cunhado dela, Paulo Boldrini, 52 anos, questionou o motivo de ela ter ido a Frederico Westphalen comprar uma TV para o enteado no dia 4 de abril. Na gravação, ela responde: "comprei lá porque quis comprar lá". Segundo Edelvânia, a compra do aparelho foi uma armadilha para atrair Bernardo.
- Ela dizia coisas do tipo "tem muitos casos em que a polícia não encontra os desaparecidos", e eu notei que podia ter algo errado acontecendo - diz Paulo Boldrini.
Em relação ao pai de Bernardo, o médico Leandro Boldrini, a polícia apura se ele teria planejado o assassinato. Caso se comprove que não sabia do homicídio, ele pode responder por abandono de incapaz (detenção de seis meses a três anos). Se sabia do homicídio e não falou, a punição pode ser por favorecimento real (prestar auxílio a criminoso, pena de detenção de um a seis meses).
*Colaborou Mauricio Tonetto
Veja os detalhes que podem ampliar a pena pela morte de Bernardo
Qualificadoras
Motivo torpe: Edelvânia afirmou que, para ajudar Graciele no crime, receberia R$ 20 mil, dos quais R$ 6 mil teriam sido entregues. Depois, houve promessa de quitar um apartamento, avaliado em R$ 96 mil. Caso Graciele tenha cometido o crime para ficar com os bens herdados pelo garoto, se enquadra no mesmo quesito.
Motivo fútil: Graciele pode ter matado Bernardo apenas por não gostar do menino ou por ciúme da relação dele com o pai, Leandro Boldrini.
Com emprego de veneno ou outro meio insidioso ou cruel: Edelvânia disse que foram usados tranquilizantes (via oral) e anestésicos (na veia) para matar Bernardo. Além disso, ele foi enterrado sem certeza de que estava morto e foi jogada soda cáustica sobre o menino, para dissolver o cadáver.
Morte à traição ou mediante recurso que impossibilite defesa: Bernardo teria sido morto de surpresa, com uma injeção fatal.
Agravantes
Criança: a vítima era um menino de 11 anos.
Sociopatia: ao planejar o crime e até cavar o buraco onde o menino seria enterrado dois dias antes de consumar o homicídio, as duas mulheres revelariam personalidade fria.
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Relembre o caso
Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril, uma sexta-feira, em Três Passos, município do Noroeste. De acordo com o pai, o médico cirurgião Leandro Boldrini, 38 anos, ele teria ido à tarde para a cidade de Frederico Westphalen com a madrasta, Graciele Ugolini, 32 anos, para comprar uma TV.
De volta a Três Passos, o menino teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Como no domingo ele não retornou, o pai acionou a polícia. Boldrini chegou a contatar uma rádio local para anunciar o desaparecimento. Cartazes com fotos de Bernardo foram espalhados pela cidade, por Santa Maria e Passo Fundo.
Na noite de segunda-feira, dia 14, o corpo do menino foi encontrado no interior de Frederico Westphalen dentro de um saco plástico e enterrado às margens do Rio Mico, na localidade de Linha São Francisco, interior do município.
Segundo a Polícia Civil, Bernardo foi dopado antes de ser morto com uma injeção letal no dia 4. Seu corpo foi velado em Santa Maria e sepultado na mesma cidade. No dia 14, foram presos o médico Leandro Boldrini - que tem uma clínica particular em Três Passos e atua no hospital do município -, a madrasta e uma terceira pessoa, identificada como Edelvania Wirganovicz, 40 anos, que colaborou com a identificação do corpo. O casal aparentava uma vida dupla, segundo relatos de amigos e vizinhos.