Sair impune de uma mentira costuma ser um incentivo para que a prática seja repetida – um aprendizado que vem desde a infância. Mas enganar os outros também tem seus riscos. Quando uma pessoa mente e outra acredita, a primeira entende que saiu ganhando. Mas quando a farsa é detectada, lá se vão as chances do enganador continuar obtendo vantagens.
É a clássica história do jovem pastor que mentia sobre a aproximação de um lobo para se divertir, atraindo a atenção dos camponeses, até que um dia o animal realmente surgiu e atacou seu rebanho. Os pedidos de ajuda, então, foram inócuos: ninguém acreditava mais no garoto.
O pastorzinho não é o único mentiroso clássico: a serpente ludibriou Adão e Eva para que comessem a maçã, Odisseu mentiu seu nome ao ciclope para preservar a própria vida, e Pinóquio, o mais famoso dos mentirosos, via seu nariz crescer a cada nova invenção. Todos aprenderam com o erro – ou a astúcia, no caso do grego, já que nem todas as mentiras são maléficas. Também se mente, afinal, para preservar a privacidade ou para garantir a segurança, própria ou de outros. Mas, quando feita de maneira compulsiva, a mentira deixa de ser uma leve escapada da realidade para ganhar contornos de patologia.
A mitomania, também conhecida como síndrome de Pinóquio, e a sociopatia são alguns dos transtornos atribuídos à necessidade visceral de enganar os outros – seja em benefício próprio, seja para magoar alguém.
– O mitômano não conta uma mentira de vezes em quando, mente em todas as áreas de sua vida, na profissional, na amorosa, na relacional, enfim, em tudo que o cerca, pois sente que tem sua autoestima melhorada ao criar uma história que agrada aos outros. Às vezes, mente para receber atenção. Já um sociopata mente planejadamente e intencionalmente para manipular e ter vantagens pessoais – explica a professora de psicologia Denise Regina Quaresma da Silva.
O risco maior está em tornar essa prática algo rotineiro, habitual. Quando não há mais remorso, quando não se vê problema em mentir, por mais grave que seja o assunto, há algo errado.
– Ninguém é totalmente verdadeiro, mas quando a mentira não traz mais sofrimento para a pessoa, ou ela não enxerga o malefício disso, aí podemos ter uma patologia – entende a psicóloga Pâmela de Freitas Machado.
As mentiras, na essência, não são incentivadas porque corroem o cerne de uma sociedade: a capacidade de confiar uns nos outros. Mas são também o que impede que as pessoas fiquem em pé de guerra umas com as outras, ao garantir um trato diplomático entre desconhecidos e suavizar verdades muito impactantes. Mentir é parte do que nos torna humanos – uma questão de sobrevivência e até de reprodução. Mas, a bem da verdade e da vida em comunidade, é bom que não se torne tão comum.